terça-feira, 21 de junho de 2011

A Mídia Brasileira

Há muito tempo que venho denunciando os males dessa nossa mídia brasileira. No entanto foram poucas as oportunidades que tive de explicar os meus motivos para integrar essa multidão que não toleram a forma como a informação é compilada por jornalistas, colunistas e outros “istas” dos grandes meios de comunicação para ser repassada a população em geral. Não tinha essas oportunidades porque grandes meios de comunicação repassam grandes quantidades de informação (dãh, até ai nenhuma novidade). Então seria uma empreitada muito trabalhosa e muito pouco proveitosa, pois eu teria de vasculhar um vasto acervo de literatura periódica e jornalística para isolar alguns dos erros que eu venho notando, além do que é um trabalho que já é realizado pela esmagadora maioria dos jornalistas brasileiros. A própria forma de trabalho e a situação dos meios de comunicação, que de forma transparente e honesta ou oculta e corrupta, que se encontram vinculados a essa ou aquela posição política, exige.

Mas dessa vez, Reinaldo de Azevedo conseguiu, numa cajadada só, colocar vários dos defeitos que eu imputo ao jornalismo brasileiro em geral (me perdoem os estudantes de jornalismo, jornalistas, e outros escritores que não repetem este erro e que provavelmente sabem deles até melhor do que eu) num só texto. Texto este que diz respeito a minha área de formação. Um prato cheio para mim!
Segue no link abaixo, o texto a que me refiro:

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/“ei-policia-pedofilia-e-uma-delicia”-isso-pode-ou-nao-pode-senhores-ministros-do-stf-ou-nasce-um-poder-discricionario/

O autor do artigo dá várias demonstrações de desconhecer o assunto do qual fala. Quantidade inesperada de alguém que escreve colunas, artigos e outros textos em um meio de comunicação tão extenso quanto a Veja. No, entanto, neste artigo, vou ater-me a alguns equívocos, que creio eu, serem mais difíceis de serem percebidos e corrigidos pela população em geral.

Vamos começar pelo trecho a baixo:

"Eu estou afirmando que se trata, nos dois casos, de apologia de conduta criminosa. O tribunal está obrigado a dizer por que um pode e por que o outro não. O tribunal está obrigado a dizer qual é a hierarquia dos crimes e quais podem ser objetos de apologia e quais não podem."
Parimeiro ponto: o tribunal não está obrigado a dizer por que um pode e por que o outro não. Por que? Porque quem definiu o que não pode, foi a lei e a lei, criada democraticamente, não deve explicação ou motivação a ninguém porque sua motivação e suas explicações já foi discutidas em um processo democrático.
Segundo ponto: é que o “tribunal” deve sim explicações. Claro que as deve. No entanto, a explicação deve esclarecer porque um trecho da norma é inconstitucional ou não. Não se vai ao STF para discutir as razões de um ato ser crime e outro não. Se vai lá para discutir a constitucionalidade das leis. O tribunal não tem de explicar porque uma dada conduta é criminalizada e outra não é.
Terceiro ponto: hierarquia dos crimes? Olha, não é impossível falar nisso. Mas eu nunca vi esse termo ser utilizado. Já li sobre crimes hediondos ou até em hierarquia de direitos (que é algo que é considerado para estudo de certos aspectos do Direito Penal) mas não me lembro de ter lido ou ouvido sobre “hierarquia de crimes”. Além do que, o “tribunal” não tem de falar sobre isso para falar de constitucionalidade de uma norma.

“E sabem por que o tribunal não o fará? Porque está fora de sua competência; ele teria de passar a legislar. Assim, na impossibilidade de fazê-lo, então atribui a si mesmo poderes discricionários. De hoje em diante, não é mais crime o que o Código Penal define como crime. De hoje em diante, é crime o que o STF define como crime.”
Primeiro que sim... O STF não pode legislar. No entanto, o STF possui SIM poderes discricionários. É a própria essência do “poder” do STF e a ferramenta principal para sua função. Só que o STF não pode dizer o que é crime, apenas a lei pode. Ora, então que poder discricionário é esse? É o poder de declarar a inconstitucionalidade de uma lei em todo ou em parte e assim negar-lhe eficácia a partir de um dado ponto no tempo, para toda a nação ou para casos específicos. Então o STF pode simplesmente decidir que uma lei não se aplica a um caso, ou que ela não se aplica nunca mais? Sim, pode. É claro que esse poder encontra limites. Apenas alguns tipos de procedimentos, iniciados por alguns tipos de pessoas, permitem ao STF concluir a inconstitucionalidade de uma lei para toda a nação. Existe todo um jogo (ou sistema) de “teoria”, de procedimento, de direito, de legalidade, mas esses poderes existem. E além do mais, a decisão deve, ser fundamentada, ou seja, explicada.
Então quando o STF disse que aquele trecho do Código Penal, que versa sobre o crime de apologia, não se aplicam ao caso da marcha da maconha, nada fez além de sua própria obrigação, dentro dos poderes que lhe foram conferidos pela constituição.
Esse tal poder de dizer o que é “crime”... O STF não tem. O que ele tem é o poder de “revogar” uma lei que diz que algo é crime, com base na constituição. No frigir dos ovos, o STF não pode dizer o que é crime, mas pode dizer o que não é! E isso não é “de hoje em diante”, mas desde 1988.

E mais ao final:

O STF está tão poderoso que revoluciona também a semântica!

Não sei se podemos dizer que o STF "revoluciona" a semântica, mas essa foi uma das conclusões mais corretas do texto! Se considerarmos que a função do STF é investigar as possíveis interpretações da constituição e isolar as mais adequadas para serem usadas, não fica difícil de entender que mudar a semântica da lei e da constituição é justamente a função do STF. E isso pode ser confirmado em várias fontes acadêmicas, que já colocam a corte constitucional (que no Brasil é o STF) como um órgão que gera esse efeito: mutações da semântica da lei. Aos poucos e correndo um percurso que dura pouco menos de um século, os diferentes guardiões da constituição (ou seriam “detentores”?) mudaram o significado das constituições, das leis, e das palavras que nelas estão.

Conclusão
Temos um texto feito por alguém que, ao que parece, desconhece completamente as funções e o contexto jurídico do STF, entre outros aspectos políticos e jurídicos que dizem respeito ao nosso Estado contemporâneo. Autor este que faz um apelo ao discurso da autoridade técnica enquanto faz uma análise que beira o bizarro e completamente carente de qualquer técnica.
Por outro lado, poderíamos dizer que o autor não é nem um bacharel em direito. Quero dizer, ele não teria a responsabilidade de saber essas coisas. Pois bem, então porque escreve sobre isso em um meio de comunicação de grande circulação enquanto um jornalista? E o pior, por que escreve enquanto conclui, no meio do artigo, com uma petulância própria de um senhor soberano e absoluto portador da razão: “Não vão responder porque não há resposta possível”? Um jornalista que não pesquisa, pede uma justificação jurídica enquanto discursa sobre o assunto de forma completamente ignorante sobre o que diria a técnica jurídica, e conclui dizendo que não existe resposta possível!

Eis aí colegas, um texto que exemplifica bem o que é a grande mídia brasileira e como ela é feita. E que fique claro... Existem mais equívocos no artigo.