segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ordens

Luis Guilherme de Assis, o Soldado Assis, se apronta para mais uma caminhada em sua santa profissão ingrata. Arriscado e mal pago, ele se locomove para um dia atípico, longe da rotineira ronda e do combate armado cotidiano que o assombra, hoje é um dia especial... Hoje a ordem é a promoção da ordem.

De barba bem feita e cabelo arrumado, aguarda no ponto o ônibus que parece nunca chegar. Minutos e minutos de atraso e apreensão... Toma conta uma aflição, aliás aflição bastante comum, para si desabafa em voz baixa “Que país é esse?”. Pensa na precária educação dos filhos e na mulher professora, tão coitada quanto o marido, pobre mulher pobre... Lembra das amargas aventuras que passou em ambulatórios lotados e sem recursos, entre outros absurdos, que articulados ecoam em volume cada vez maior. É tomado por um espírito de indignação, breve pois o ônibus chega.

Alívio mas nem tanto, serão só 20 minutos de atraso, mas cruzará as cidades a pé. Difícil se pendurar sem invadir o mínimo espaço alheio, que dirá ir sentado, luxo nessas horas. Para complicar, quando chega a vez de cruzar a catraca, quase é surpreendido. Ao levar as mãos ao bolso e apertar o pouco dinheiro que lhe resta da semana passada, não encontra o suficiente, é então acudido por um solidário colega anônimo, que com algumas generosas moedas de 5 centavos salvam nosso protagonista. Ufa! Foi por pouco Assis... 

Encontra-se enfim com o Batalhão... Se prepara, ouve as ordens e segue em direção a uma manifestação. De longe, aparentemente estudantes desordeiros e adultos vagabundos cantam em coro “Sem violência”. Apronta seu escudo, sua escopeta cuspidora de borracha e gás lacrimogênio... Sabe que a festa vai começar, assume posição e marcha em direção ao inimigo. 

É dada a ordem e o fogo inicia, choro e ranger de dentes, sangue e borracha tornam-se um só, detidos e contidos protestam, lutam e lamentam pela violência. Mas Assis não... Guiado pelo desespero alheio e honrado pela farda, Assis dá lugar ao pulso violento natural, bruto e primitivo, que não distingue homens e mulheres, adultos e crianças. Verdadeiro deleite para nosso soldado, a noite vira sonho e o sonho, delírio. Entre tiros e gargalhadas, Assis é interrompido pelo toque do celular, toque quase irreconhecível mergulhado entre tanto êxtase. É seu filho mais velho, universitário, escapou a aula da faculdade de Direito para embrenhar-se, à revelia do pai, no protesto...

E a notícia não é boa, o rapaz foi acertado em cheio. Como é sabido, balas não reconhecem patentes, tampouco checam parentesco... O rapaz está hospitalizado e corre sério risco de perder a visão. Assis, antes bravo com o rapaz, comove-se. Naquele momento seu filho é prioridade. Abandona a tudo, armas destrutivas, escudos covardes e bombas de efeito imoral.

Enquanto corre ofegante em socorro ao filho, subitamente é visitado pela consciência, que torturosa lhe atormenta... Quantos filhos, mulheres e homens, tal como ele, Assis poderia ter violentamente atacado? Assis, você não tem vergonha do que fez? Assis... Assis! 

O Soldado, mentalmente encurralado, chora. Só lhe resta uma desculpa: Recebia ordens.