terça-feira, 2 de setembro de 2014

- Da degeneração Humana

Toda espécie de comportamento animal - humano e não humano - perpassa pelo crivo dos instintos. Posteriormente se circunscreve por alguma via fisiológica que engendra-se nu'm determinado ser em específico.

Dos diversos instintos que operam no ser humano, o mais primal e ancestral de todos é o do medo, e é inclusive, através dele que se desdobra um infinito de outros instintos, que operam em vias tão sutis que não são perceptíveis a uma consciência, tampouco se proscrevem de forma fisiológica no ser, visto que eles interagem por outras instâncias.

A violência é, equanimemente, outra instância a qual somos impelidos, e ela é, até certo modo, sinal de vigor e vitalidade. Todo ser saudável irrompe sagazmente o furor de uma carapaça não corrompida, não degenerada, de instintos fortes e viris, e em última instância, a própria vida se delimita na capacidade de hostilizar, para perpetuar-se a si mesma enquanto soberana.

Eis porquê, todo ser que vive deve estar apto a defender-se da violência que lhe poderia ser perpetrada, em um ambiente de hostilidade e sobrevivência, aonde todos eles possuem ferramentas necessárias para a manutenção desse modus operandi - sem que isso, conquanto, engendre, necessariamente, a auto-destruição ou a compulsividade mórbida,ou a agressão no sentido de premeditar o mau - comportamento exclusivamente humano - pois esta é característica da psique humana - dada patologia que engendra-se pelas vias do espírito humano.

Entretanto as civilizações humanas, ao longo dos milênios, foram condicionadas a tornarem-se passivas e dóceis - e lhe disseram que na docilidade consistia a chave para a paz e a tranquilidade de espírito e da vida terrena, como também suprimiu-se (reprimiu-se) todo ímpeto de violência, tornando-o moralmente inaceitável.

Tal inversão de valores, gerou uma espécie de ser que aceita todo tipo de calamidade e perversidade e que encontra-se tão débil que outorga a autoridade de suas ações para instituições macabras (o Estado é a própria encarnação do Mau), que, em última instância são os "ícones de barro" que respaldam a falta de autonomia, de uma relação metonímica com sua própria existência.

Em suma, todo comportamento humano é tido, de antemão, como passível de logro - a não ser que esteja respaldado por alguma autoridade que lhe conceda tal privilégio! Os atos mais simples, que podem ser observados a olho nu por quem quer que seja, devem agora ser validados por ciências e revelações apoteóticas, pois do contrário tornam-se opacas e sem valor.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ordens

Luis Guilherme de Assis, o Soldado Assis, se apronta para mais uma caminhada em sua santa profissão ingrata. Arriscado e mal pago, ele se locomove para um dia atípico, longe da rotineira ronda e do combate armado cotidiano que o assombra, hoje é um dia especial... Hoje a ordem é a promoção da ordem.

De barba bem feita e cabelo arrumado, aguarda no ponto o ônibus que parece nunca chegar. Minutos e minutos de atraso e apreensão... Toma conta uma aflição, aliás aflição bastante comum, para si desabafa em voz baixa “Que país é esse?”. Pensa na precária educação dos filhos e na mulher professora, tão coitada quanto o marido, pobre mulher pobre... Lembra das amargas aventuras que passou em ambulatórios lotados e sem recursos, entre outros absurdos, que articulados ecoam em volume cada vez maior. É tomado por um espírito de indignação, breve pois o ônibus chega.

Alívio mas nem tanto, serão só 20 minutos de atraso, mas cruzará as cidades a pé. Difícil se pendurar sem invadir o mínimo espaço alheio, que dirá ir sentado, luxo nessas horas. Para complicar, quando chega a vez de cruzar a catraca, quase é surpreendido. Ao levar as mãos ao bolso e apertar o pouco dinheiro que lhe resta da semana passada, não encontra o suficiente, é então acudido por um solidário colega anônimo, que com algumas generosas moedas de 5 centavos salvam nosso protagonista. Ufa! Foi por pouco Assis... 

Encontra-se enfim com o Batalhão... Se prepara, ouve as ordens e segue em direção a uma manifestação. De longe, aparentemente estudantes desordeiros e adultos vagabundos cantam em coro “Sem violência”. Apronta seu escudo, sua escopeta cuspidora de borracha e gás lacrimogênio... Sabe que a festa vai começar, assume posição e marcha em direção ao inimigo. 

É dada a ordem e o fogo inicia, choro e ranger de dentes, sangue e borracha tornam-se um só, detidos e contidos protestam, lutam e lamentam pela violência. Mas Assis não... Guiado pelo desespero alheio e honrado pela farda, Assis dá lugar ao pulso violento natural, bruto e primitivo, que não distingue homens e mulheres, adultos e crianças. Verdadeiro deleite para nosso soldado, a noite vira sonho e o sonho, delírio. Entre tiros e gargalhadas, Assis é interrompido pelo toque do celular, toque quase irreconhecível mergulhado entre tanto êxtase. É seu filho mais velho, universitário, escapou a aula da faculdade de Direito para embrenhar-se, à revelia do pai, no protesto...

E a notícia não é boa, o rapaz foi acertado em cheio. Como é sabido, balas não reconhecem patentes, tampouco checam parentesco... O rapaz está hospitalizado e corre sério risco de perder a visão. Assis, antes bravo com o rapaz, comove-se. Naquele momento seu filho é prioridade. Abandona a tudo, armas destrutivas, escudos covardes e bombas de efeito imoral.

Enquanto corre ofegante em socorro ao filho, subitamente é visitado pela consciência, que torturosa lhe atormenta... Quantos filhos, mulheres e homens, tal como ele, Assis poderia ter violentamente atacado? Assis, você não tem vergonha do que fez? Assis... Assis! 

O Soldado, mentalmente encurralado, chora. Só lhe resta uma desculpa: Recebia ordens.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Desabafo

A Polícia Militar é uma VERGONHA. Eu tenho Vergonha de ser brasileiro. Eu tenho vergonha de ser formado em Direito. Eu tenho vergonha dos colegas com quem estudei, por serem militares. Eu tenho vergonha da roupa que eles usam. Eu tenho vergonha de ter dividido momentos de alegria com eles. Eu tenho vergonha de tê-los defendido por ter passado por situações tensas como burocrata. Eu tenho vergonha dos meus professores de direito, que certamente conhecem as pessoas que trabalharam esse golpe a democracia brasileira. Eu tenho Vergonha da lei brasileira. Eu tenho Vergonha dos apelos por justiça feito por famílias de militares. Eu tenho vergonha pela mãe de cada militar desse país. Eu tenho vergonha da família dos militares desse país. Eu tenho vergonha das idéias que propalei, dizendo que esse país é uma democracia e que as liberdades e os direitos seriam respeitados. Vergonha... Vergonha... Vergonha e mais vergonha. Como nunca tive em toda minha vida por ter visto de longe e de perto a corrupção e a truculência dos esquemas com os quais trabalhei que se diziam mantenedores dos direitos e da liberdade.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=YXI6LHGFGxg#at=432

domingo, 6 de novembro de 2011

Fetiche e mercadoria, um pouco alem do capital.


Eles são muitos, são de todas as idades, andam pelo corredor se esbarrando e se desviando uns dos outros. São raros aqueles que olham nos rostos uns dos outros e é fácil percebe o impulso, o desejo, o fetiche no olhar, no andar rápido, a fixação nas portas abertas e as que se abrem a todo o momento. De longe eles parecem compradores numa freira, de perto são homens querendo bota pra fora toda excitação; todo prazer que lhes é censurado ou negado durante horas que trabalham; horas que estão em casa com suas esposas e horas que estão nas ruas com a moral vigente desta sociedade que inibe o tesão.

A cada porta um olhar fascinante, um corpo atraente com uma voz que arrepia: “e ai vamos gozar?”. Isso extrai do interior de cada um aquilo que lhe foi negado durante todo tempo que eles não estavam ali. “Gozar”, quem anda fazendo isso numa vida de pegar metrôs lotados, de ônibus onde todos ficam suados, exalando odores que causam repulsa de todos por todos? É inegável que fedemos após o trabalho, todos os trabalhadores braçais, bancários, senhores de ternos e blusa de manga cumprida que precisam se mostrar sóbrios e apresentáveis o dia inteiro. Quem goza? No trabalho todos somos expostos a cumpri metas, e alcançar objetivos que não são nossos e sim de uma pessoa jurídica qualquer, aprendemos lá que essas pessoa somos nos, e falamos “nossa empresa” mesmo sabendo que estamos sujeitos a ser substituído pelo primeiro que se mostra mais produtivo. Ai estudamos e estudamos. Lá na escola e nas universidades também não gozamos, pois precisamos apreender algo que seja valorizado ou ter um papel que nos credencie a exercer determinado serviço, lá buscamos uma colocação no trabalho que não gozamos e nos faz andar em metrôs onde todos fedem.

Ah, mas ali sim gozamos! Aquelas garotas com sorrisos maliciosos pronta a te dar prazer após o “quanto é o programa?”. Ah sim, aquilo é uma mercadoria. O gozo se tornou uma mercadoria ultra perecível, pois só duram alguns minutos. Andando me deparo com senhores vividos e me pergunto se eles não gozam em casa?. Lembro-me das brigas dos vizinhos, nas quais, o homem ao chegar do trabalho, a mulher lhe fala: “ você demorou vamos ao supermercado”. Quem diabos goza com cobrança e quem gozar no supermercado? É tanta marca de milho que você nem sabe por que escolhe entre elas. Nas geladeiras vemos as cervejas e logo vem a lembrança daquela tesuda do comercial, que vemos durante o jornal, que mal prestamos atenção porque durante ele, o filho estudante está falando mal de um presidente de um país que você nem ouviu o nome, porque no meio do jornal e do filho passa a filha ligando para a amiga na sala e tudo que se ouve é “aquele gostosinho? Mas, ele nem tem carro do ano”. É, em casa também não se goza, a não ser a filha com os garotões de carro do ano e o filho politizado com seus discursos intermináveis sobre o fascismo.

Naquele corredor de abre e fechar de portas também não se goza, mais se deseja. É cada bunda, é cada peito, espartilhos, algumas se vestindo de freiras, enfermeiras e de empregadas. É incrível como muitos homens gostam de gozar com isso, já não basta a fantasia da TV? Do carro novo que vende aventura, e quando se compra a realidade é a prestações que mal conseguimos pagar? Mais a frente uma porta parece se destacar parece irradiar luz daquela pele sedosa, daquela voz mansa e aconchegante: “ três posições e uma chupadinha, se você quiser um sarro gostoso e um programa mais demoradinho você paga um pouco a mais” a voz é tão doce que a ereção e inevitável e a única coisa que sai da voz é: “vamos”.

Ao fechar a porta, o mundo parece diminuído aquelas vozes, olhares e milhares de passos nos corredores não são escutados mais, não se lembra do supermercado nem dos filhos que gozam nem da mulher que reclama. Aquela pele sedosa te acaricia enquanto se despe, ela vai te envolvendo te beijando da boca ao pescoço dos peitos a cabeça do pau, já tremulo o gozo esta ali no corpo todo. O sexo frenético arrepiante, alucinante vai se estendendo e vou percebendo que a vida pode existir com gozo. Quando de repente é interrompido o ato: “ ei amor goza logo o tempo esta acabando”. Eu estava gozando, sentia-me gozando, mas me deparo com um esporro: “você não goza”. Gozar seria somente coloca a porra pra fora? Essa porra toda não passou disso, jogar a porra pra fora? por fim eu joguei ela pra fora e com isso toda porra de vida voltou pra minha consciência, paguei e a pele sedosa que neste momento nem me parecia mais sedosa, fedia, fedia como todos aqueles que fedem depois do trabalho.

Ass: Saul Amorim

domingo, 30 de outubro de 2011

Devaneio - Orlas, bordas e molduras.

As vezes me pergunto da função da televisão. Mas sem partir da televisão como um conjunto de atividades “super-estruturais” que vão desde os estúdios de jornalismo e arte cinematográfica; como indústria da cultura. Parto do próprio aparelho. Essa caixa luminosa que ocupa algum volume em uma repartição de nossas casas.

O que é a TV além de um aparelho que representa imagens? Será que ela tem uma função tão útil que mereça todos os adornos que fazemos em torno dela. Que diferencia a TV de um oratório (móvel onde ficavam as imagens de religiosas em outras épocas deste Brasil)? Na minha casa por exemplo, há um móvel apenas para sustentar a TV. Ou seria ela mais um quadro como tantos outros que temos na casa? É bem sabido que na Alemanha nazista as repartições públicas deviam ter retratos do líder do Partido e da Alemanha: Adolf Hitler. Não seria a TV, o adorno pós-moderno que nos lembra quem são nossos lideres, salvadores, nobres, generais entre outros que merecem nossa “dobra”?

Até vejo os defensores dos cidadãos Kane e suas respectivas esposas apontando para o fato de que usar uma TV para esta “utilidade” que pode ser feita com a simplicidade de um quadro ou de um oratório. Ora, diriam eles: “Somos práticos, Diego. Será que essa tua ‘torpeza comunista’ não lhe permite ver que se fossemos uma sociedade que precisasse de uma imagem de um ‘líder’, de um ‘modelo’, seriamos ao menos utilitários: ponha-se um quadro ou um oratório de uma vez. A TV foi criada para outras utilidades...”. Creio que ao final, concluiriam uns: “A TV se presta para comunicar pessoas”. Acho isso simplista, boçal, “plebeu” como prefeririam alguns. Por de traz dessa visão utilitária do “aparelho de recepção de imagem televisionada” (doravante referido apenas como TV), esconde-se uma completa incapacidade de questionamento. Partem de uma práxis para deduzir que a TV tem utilidade. “Usa-se a TV, portanto a própria tem utilidade”. Ardiloso, porem simplista. A própria conclusão de que a TV se presta a comunicação entre pessoas, termina por pecar justamente contra o critério que adoram. As pessoas comunicam-se sem TV desde a muito tempo. E das mais diferentes formas, com os mais diferentes resultados. Comunicar-se é uma palavra genérica de mais para definir qualquer comportamento humano. A religião é comunicação. A escrita é... A ordem marcial... A justiça... A verdade... A filosofia... Que importa de tão próprio a TV, em seu ato de comunicar, ao ponto de tornar-se um bem de consumo tão básico quanto uma geladeira (que conserva alimentos) ou um forno a gás? Por que fazemos dela algo tão essencial a nossas casas quanto os bens de higiene ou de alimentação?

Para trazer entretenimento a nossas casas? Reforçar nossos estados de alma? Mas não era o que faziam os oratórios ou os quadros de lideres? Reforçar nossa lembrança de que há “alguém olhando por nós e para nós”?

Questiono isso porque de repente me percebo como se jogasse um jogo com esse ser: a TV. Olho-a... Ela mostra-me meus ídolos... Meus lideres... Meus sacerdotes... Médicos... Irmãos... Pensadores... Minhas esperanças... Minhas verdades... Meus vizinhos... Minhas dores... Os embaralha. E de novo... Imagens de pessoas, de identidades, lideres, dores, minhas ou não... E novamente, os embaralha. Consumo, verdade, satisfação, líder, religião, sexo... Embaralha. Drogas, insolência, orgulho, verdade, vingança, violência, satisfação... Os embaralha. Um jogo mudo. No qual eu não tenho reação, mas recebo cartas. Apenas vejo. No outro dia, pessoas conversam avidamente sobre as coisas que a TV os mostra. Há qualquer coisa de carente na conversa. As pessoas se lançam sobre esses assuntos de uma forma simples. Conversar sobre o que a TV diz é normal! Mas por que seria tão normal falar do que a TV diz? Por que é comum a todos? Mas as pessoas tem um sério problema de falar de algumas coisas que são comuns. E o mais estranho, não falam sobre outras formas de arte. Nem tudo que é comunicado a todos por ser um fato natural comum ou por ser representado para todos, é conversado. Por que falar do que a TV diz? Não seria por querer responder a TV?

Fenomenal essa máquina de embaralhar. Instigadora da procura pela verdade em um hall de mentiras que ela mesmo não discerne, enquanto deixa as pessoas havidas por uma oportunidade de réplica. A TV foi a pool de valores do século XX. Uma enorme bricolagem sem sentido que instigava seus participantes a ver sentido em si mesma. As pessoas articularam suas próprias verdades em torno do que diz a TV. Não me surpreenda que usem a TV para acobertar suas dores (como as famílias que, para não se enfrentarem, pacificam-se na frente da TV). Me surpreende é que não acobertem a TV com outra coisa. Se fala da TV, por bem ou por mal. Alguém que não fala da TV é “alienado”. “Em que mundo vive esse que não vê TV?” Por outro lado, pessoas compõem os mais diversos e perigosos entendimentos sobre as imagens que aparecem na TV. Algumas tornam-se diferentes esquemas daquilo que meramente vêem na TV. Apontam seus lideres e seus medos entre figuras que só aparecem na TV.

Eis aí um ciclo com resultados interessantes. A TV semeia proposições embaralhadas. As pessoas a digerem de forma mais ou menos orientada que puderem. E cá estou com um punhado de ET’s do mundo da TV que apontam seus lideres entre mesclas de sofrimento e prazer. A TV é a representação do céu antigo que dizia aos homens o que fazer, com a vantagem de ser “mais portátil que céu”, além de poder ser socialmente definida (como os quadros e imagens religiosas). A união das pessoas com a TV, nascem os lideres, as estrelas, as verdades e tudo que é. A TV, assim como o oratório e o quadro do líder, é a borda do universo, neste mundo de massas. Ela diz o que somos. Passível de ser colocada em casa, como um quadro ou um oratório; superando estes com sua capacidade de variar. E instigando nos seus ouvintes a carência por uma oportunidade de resposta (assim como o céu da antiguidade), obriga-os a ruminar o que já mais poderão responder a TV.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Nós lê os livro/Nós não lemos os livros

O livro didático (destinado, principalmente, à Educação de Jovens e Adultos) Por uma vida melhor, publicado pela editora Global e aprovado pelo MEC, vem causando uma série de polêmicas em relação ao ensino de Língua Portuguesa. E isso é ótimo! Tenho acompanhado as discussões desde o surgimento dos debates e lido opiniões interessantíssimas (inclusive aqui na Gazeta), tanto de pessoas que apoiam a postura do MEC, quanto daquelas que a condenam. Porém, alguns julgamentos me deixaram, pessoal e intelectualmente, muito preocupado: ou por causa do total desconhecimento sobre o assunto da parte de quem os expressou, ou porque são tendenciosos.

Aos primeiros, não há por que condená-los. Quantas vezes eu, enquanto estudante, não defendi meu ponto de vista, na melhor das boas intenções, apenas para depois perceber que estava entendendo as coisas de um ponto de vista equivocado? O que fazer? Reconhecer a própria ignorância, dando o braço a torcer: “Ih! realmente, eu tinha pensado algo bem diferente. Reconheço meu erro e…”, usando as palavrinhas mágicas do conhecimento: “… vou buscar saber mais sobre isso”. A menos, é claro, que estejamos convictos de que a nossa opinião é imutável, mesmo diante de evidências nos mostrando o contrário.

No caso do famigerado livro, bastaria explicar alguns pontos mal entendidos para ver que grande parte dos impropérios lançados contra ele não passa de engano. O primeiro – e mais importante – esclarecimento é o que trata da distinção entre fala e escrita. É um aspecto tão relevante, que eu levaria páginas e mais páginas para explicar apenas o básico, e esta não é minha intenção. Basta, por agora, saber que escrever e falar são coisas distintas, pois atendem a objetivos diferentes. No Rio Grande do Sul, são poucos os que conjugam, na fala, os verbos na segunda pessoa do singular, às vezes mesmo em situações formais. Dizemos “tu fala”, “tu vai”, “tu leu”. Repararam na forma verbal que eu usei – “dizemos”?

Pois, é. Nós falamos assim, mas sabemos que, na escrita formal, gramaticalmente correta, devemos conjugar o verbo na segunda pessoa, ou usar o pronome de tratamento “você” e a conjugação da terceira pessoa, que é bem mais fácil (e estilisticamente mais bonita, diga-se). O livro Por uma vida melhor fala exatamente isso! Que falar e escrever são diferentes e, NA FALA, as variações são permitidas em determinadas situações. Isso está escrito de uma maneira tão evidente, que o primeiro capítulo se chama justamente “Escrever é diferente de falar”! Em nenhum momento está dito que é permitido escrever “nós pega os peixe”, ou qualquer outra deturpação da norma culta. O capítulo polêmico, ou o livro inteiro, estão na internet, eu o li, e desafio qualquer um a me apontar nele onde se diz o contrário. Duvidam? Um dos exercícios desmascara toda a má fama da publicação, página 25, exercício 4: “Nestas frases, as palavras destacadas estão escritas como, geralmente, são pronunciadas. Reescreva-as de acordo com as regras de ortografia”.

Acho que estamos indo bem, já podemos ver que a proclamada bomba atômica contra a Língua Portuguesa não é nem um estalinho. Agora, vamos entrar na questão ideológico-política. Estão acusando o Ministério da Educação e o governo de situação de tentar implantar uma nova língua no país (fazendo referência à Novafala [Newspeak] do romance 1984, de George Orwell). A ideia é absurda, visto não se tratar de nenhuma mudança, muito menos, como mostrei, na fala. Penso que o estopim de toda a polêmica tenha sido a tomada de consciência – por parte de algum jornalista mal-intencionado ou, na melhor das hipóteses, desinformado – sobre um campo de estudos existente desde a segunda metade do século passado, e que ganhou força e representatividade no Brasil na década de 1980. Falo da sociolinguística, ramo da linguística, que, dentre outras coisas, estuda os dialetos de uma língua, isto é, as variações da fala presentes em diferentes regiões ou classes sociais. O tal sujeito deve ter ficado abismado em saber, por exemplo, que na escola se discute a existência de diferenças entre a fala coloquial e a fala culta! Ou que estão ensinando aos nossos alunos a obviedade mais óbvia (sic): existem determinadas pessoas, de determinados grupos sociais (muitos alunos talvez pertençam a um deles) que fala “nós pega o peixe”! Isso não parece muito mais aceitável do que negar a existência de variações da fala e dizer que apenas uma, e somente aquela, existe? Alguns vão replicar: “Mas o objetivo da escola não é ensinar a escrever nessa variante.” E não é mesmo. Tanto não é, que em nenhum lugar está dito que deveria ser.

Mas os oportunistas aproveitaram bem a situação para fazer o que sabem fazer de melhor: politicagem, em vez de política, chegando ao cúmulo de acusar o governo petista de tachar de preconceituosos aqueles a favor da norma culta. Mais uma vez a ignorância reina. Uso “ignorância” sem querer ofender ninguém, mas no sentido de “ignorar” certos assuntos. A crítica ao governo atual, neste caso, é de tal modo sem fundamento quanto aquela do livro. Não quero defender o PT, a crítica é infundada mesmo, porque basta ler os Planos Curriculares Nacionais aprovados em 1997 (pleno governo FHC) para encontrar o seguinte trecho, na página 26 do segundo livro: “A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas.” E depois o texto segue falando sobre o preconceito, sobre o papel da escola, sobre considerar os contextos, etc. Ou seja: falar sobre preconceito linguístico não é coisa de governo petista!

Agora, para concluir, um apelo pessoal, de minha parte e de muitos outros que gostam de ler, de pensar, de participar de bons debates e discussões porque acreditam que eles enriquecem o conhecimento da nossa sociedade: não se sintam acanhados por emitirem opiniões equivocadas por desconhecimento; não se melindrem por falarem uma bobagem, só porque ignoravam certos assuntos; errar é tão humano que chega a ser necessário para aprender. Criticar livros que não leu esse é que é o pecado; e nos casos em que se declara publicamente que não o lerá, apesar de continuar criticando, fico constrangido por tamanha vergonha.

terça-feira, 21 de junho de 2011

A Mídia Brasileira

Há muito tempo que venho denunciando os males dessa nossa mídia brasileira. No entanto foram poucas as oportunidades que tive de explicar os meus motivos para integrar essa multidão que não toleram a forma como a informação é compilada por jornalistas, colunistas e outros “istas” dos grandes meios de comunicação para ser repassada a população em geral. Não tinha essas oportunidades porque grandes meios de comunicação repassam grandes quantidades de informação (dãh, até ai nenhuma novidade). Então seria uma empreitada muito trabalhosa e muito pouco proveitosa, pois eu teria de vasculhar um vasto acervo de literatura periódica e jornalística para isolar alguns dos erros que eu venho notando, além do que é um trabalho que já é realizado pela esmagadora maioria dos jornalistas brasileiros. A própria forma de trabalho e a situação dos meios de comunicação, que de forma transparente e honesta ou oculta e corrupta, que se encontram vinculados a essa ou aquela posição política, exige.

Mas dessa vez, Reinaldo de Azevedo conseguiu, numa cajadada só, colocar vários dos defeitos que eu imputo ao jornalismo brasileiro em geral (me perdoem os estudantes de jornalismo, jornalistas, e outros escritores que não repetem este erro e que provavelmente sabem deles até melhor do que eu) num só texto. Texto este que diz respeito a minha área de formação. Um prato cheio para mim!
Segue no link abaixo, o texto a que me refiro:

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/“ei-policia-pedofilia-e-uma-delicia”-isso-pode-ou-nao-pode-senhores-ministros-do-stf-ou-nasce-um-poder-discricionario/

O autor do artigo dá várias demonstrações de desconhecer o assunto do qual fala. Quantidade inesperada de alguém que escreve colunas, artigos e outros textos em um meio de comunicação tão extenso quanto a Veja. No, entanto, neste artigo, vou ater-me a alguns equívocos, que creio eu, serem mais difíceis de serem percebidos e corrigidos pela população em geral.

Vamos começar pelo trecho a baixo:

"Eu estou afirmando que se trata, nos dois casos, de apologia de conduta criminosa. O tribunal está obrigado a dizer por que um pode e por que o outro não. O tribunal está obrigado a dizer qual é a hierarquia dos crimes e quais podem ser objetos de apologia e quais não podem."
Parimeiro ponto: o tribunal não está obrigado a dizer por que um pode e por que o outro não. Por que? Porque quem definiu o que não pode, foi a lei e a lei, criada democraticamente, não deve explicação ou motivação a ninguém porque sua motivação e suas explicações já foi discutidas em um processo democrático.
Segundo ponto: é que o “tribunal” deve sim explicações. Claro que as deve. No entanto, a explicação deve esclarecer porque um trecho da norma é inconstitucional ou não. Não se vai ao STF para discutir as razões de um ato ser crime e outro não. Se vai lá para discutir a constitucionalidade das leis. O tribunal não tem de explicar porque uma dada conduta é criminalizada e outra não é.
Terceiro ponto: hierarquia dos crimes? Olha, não é impossível falar nisso. Mas eu nunca vi esse termo ser utilizado. Já li sobre crimes hediondos ou até em hierarquia de direitos (que é algo que é considerado para estudo de certos aspectos do Direito Penal) mas não me lembro de ter lido ou ouvido sobre “hierarquia de crimes”. Além do que, o “tribunal” não tem de falar sobre isso para falar de constitucionalidade de uma norma.

“E sabem por que o tribunal não o fará? Porque está fora de sua competência; ele teria de passar a legislar. Assim, na impossibilidade de fazê-lo, então atribui a si mesmo poderes discricionários. De hoje em diante, não é mais crime o que o Código Penal define como crime. De hoje em diante, é crime o que o STF define como crime.”
Primeiro que sim... O STF não pode legislar. No entanto, o STF possui SIM poderes discricionários. É a própria essência do “poder” do STF e a ferramenta principal para sua função. Só que o STF não pode dizer o que é crime, apenas a lei pode. Ora, então que poder discricionário é esse? É o poder de declarar a inconstitucionalidade de uma lei em todo ou em parte e assim negar-lhe eficácia a partir de um dado ponto no tempo, para toda a nação ou para casos específicos. Então o STF pode simplesmente decidir que uma lei não se aplica a um caso, ou que ela não se aplica nunca mais? Sim, pode. É claro que esse poder encontra limites. Apenas alguns tipos de procedimentos, iniciados por alguns tipos de pessoas, permitem ao STF concluir a inconstitucionalidade de uma lei para toda a nação. Existe todo um jogo (ou sistema) de “teoria”, de procedimento, de direito, de legalidade, mas esses poderes existem. E além do mais, a decisão deve, ser fundamentada, ou seja, explicada.
Então quando o STF disse que aquele trecho do Código Penal, que versa sobre o crime de apologia, não se aplicam ao caso da marcha da maconha, nada fez além de sua própria obrigação, dentro dos poderes que lhe foram conferidos pela constituição.
Esse tal poder de dizer o que é “crime”... O STF não tem. O que ele tem é o poder de “revogar” uma lei que diz que algo é crime, com base na constituição. No frigir dos ovos, o STF não pode dizer o que é crime, mas pode dizer o que não é! E isso não é “de hoje em diante”, mas desde 1988.

E mais ao final:

O STF está tão poderoso que revoluciona também a semântica!

Não sei se podemos dizer que o STF "revoluciona" a semântica, mas essa foi uma das conclusões mais corretas do texto! Se considerarmos que a função do STF é investigar as possíveis interpretações da constituição e isolar as mais adequadas para serem usadas, não fica difícil de entender que mudar a semântica da lei e da constituição é justamente a função do STF. E isso pode ser confirmado em várias fontes acadêmicas, que já colocam a corte constitucional (que no Brasil é o STF) como um órgão que gera esse efeito: mutações da semântica da lei. Aos poucos e correndo um percurso que dura pouco menos de um século, os diferentes guardiões da constituição (ou seriam “detentores”?) mudaram o significado das constituições, das leis, e das palavras que nelas estão.

Conclusão
Temos um texto feito por alguém que, ao que parece, desconhece completamente as funções e o contexto jurídico do STF, entre outros aspectos políticos e jurídicos que dizem respeito ao nosso Estado contemporâneo. Autor este que faz um apelo ao discurso da autoridade técnica enquanto faz uma análise que beira o bizarro e completamente carente de qualquer técnica.
Por outro lado, poderíamos dizer que o autor não é nem um bacharel em direito. Quero dizer, ele não teria a responsabilidade de saber essas coisas. Pois bem, então porque escreve sobre isso em um meio de comunicação de grande circulação enquanto um jornalista? E o pior, por que escreve enquanto conclui, no meio do artigo, com uma petulância própria de um senhor soberano e absoluto portador da razão: “Não vão responder porque não há resposta possível”? Um jornalista que não pesquisa, pede uma justificação jurídica enquanto discursa sobre o assunto de forma completamente ignorante sobre o que diria a técnica jurídica, e conclui dizendo que não existe resposta possível!

Eis aí colegas, um texto que exemplifica bem o que é a grande mídia brasileira e como ela é feita. E que fique claro... Existem mais equívocos no artigo.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Flaskô!

Um dos problemas do anarquistas hoje em dia, é mostrar que tem um acervo de idéias que pode ser posto em prática. Uma proposta de sociedade economicamente viável. Com a queda da URSS, muito mais por uma questão de preconceitos da população civil do que por qualquer outra questão, a critica ao capitalismo perdeu vozes e oportunidades de dialogar com as pessoas. Criticar capitalismo tornou-se um comportamento de época, uma época que se foi.

Então trago-lhes aqui, um exemplo palpável do que querem os anarquistas. É necessário lembrar, que não sonhamos algo novo, mas que é muito velho e plenamente possível.

Eis aí um documentário sobre a Flaskô!

Parte 1:

http://www.youtube.com/watch?v=ZVL6VOjjeew&feature=player_embedded#at=67

Parte 2:

http://www.youtube.com/watch?v=kAB37W6PZpo&feature=related