domingo, 6 de novembro de 2011

Fetiche e mercadoria, um pouco alem do capital.


Eles são muitos, são de todas as idades, andam pelo corredor se esbarrando e se desviando uns dos outros. São raros aqueles que olham nos rostos uns dos outros e é fácil percebe o impulso, o desejo, o fetiche no olhar, no andar rápido, a fixação nas portas abertas e as que se abrem a todo o momento. De longe eles parecem compradores numa freira, de perto são homens querendo bota pra fora toda excitação; todo prazer que lhes é censurado ou negado durante horas que trabalham; horas que estão em casa com suas esposas e horas que estão nas ruas com a moral vigente desta sociedade que inibe o tesão.

A cada porta um olhar fascinante, um corpo atraente com uma voz que arrepia: “e ai vamos gozar?”. Isso extrai do interior de cada um aquilo que lhe foi negado durante todo tempo que eles não estavam ali. “Gozar”, quem anda fazendo isso numa vida de pegar metrôs lotados, de ônibus onde todos ficam suados, exalando odores que causam repulsa de todos por todos? É inegável que fedemos após o trabalho, todos os trabalhadores braçais, bancários, senhores de ternos e blusa de manga cumprida que precisam se mostrar sóbrios e apresentáveis o dia inteiro. Quem goza? No trabalho todos somos expostos a cumpri metas, e alcançar objetivos que não são nossos e sim de uma pessoa jurídica qualquer, aprendemos lá que essas pessoa somos nos, e falamos “nossa empresa” mesmo sabendo que estamos sujeitos a ser substituído pelo primeiro que se mostra mais produtivo. Ai estudamos e estudamos. Lá na escola e nas universidades também não gozamos, pois precisamos apreender algo que seja valorizado ou ter um papel que nos credencie a exercer determinado serviço, lá buscamos uma colocação no trabalho que não gozamos e nos faz andar em metrôs onde todos fedem.

Ah, mas ali sim gozamos! Aquelas garotas com sorrisos maliciosos pronta a te dar prazer após o “quanto é o programa?”. Ah sim, aquilo é uma mercadoria. O gozo se tornou uma mercadoria ultra perecível, pois só duram alguns minutos. Andando me deparo com senhores vividos e me pergunto se eles não gozam em casa?. Lembro-me das brigas dos vizinhos, nas quais, o homem ao chegar do trabalho, a mulher lhe fala: “ você demorou vamos ao supermercado”. Quem diabos goza com cobrança e quem gozar no supermercado? É tanta marca de milho que você nem sabe por que escolhe entre elas. Nas geladeiras vemos as cervejas e logo vem a lembrança daquela tesuda do comercial, que vemos durante o jornal, que mal prestamos atenção porque durante ele, o filho estudante está falando mal de um presidente de um país que você nem ouviu o nome, porque no meio do jornal e do filho passa a filha ligando para a amiga na sala e tudo que se ouve é “aquele gostosinho? Mas, ele nem tem carro do ano”. É, em casa também não se goza, a não ser a filha com os garotões de carro do ano e o filho politizado com seus discursos intermináveis sobre o fascismo.

Naquele corredor de abre e fechar de portas também não se goza, mais se deseja. É cada bunda, é cada peito, espartilhos, algumas se vestindo de freiras, enfermeiras e de empregadas. É incrível como muitos homens gostam de gozar com isso, já não basta a fantasia da TV? Do carro novo que vende aventura, e quando se compra a realidade é a prestações que mal conseguimos pagar? Mais a frente uma porta parece se destacar parece irradiar luz daquela pele sedosa, daquela voz mansa e aconchegante: “ três posições e uma chupadinha, se você quiser um sarro gostoso e um programa mais demoradinho você paga um pouco a mais” a voz é tão doce que a ereção e inevitável e a única coisa que sai da voz é: “vamos”.

Ao fechar a porta, o mundo parece diminuído aquelas vozes, olhares e milhares de passos nos corredores não são escutados mais, não se lembra do supermercado nem dos filhos que gozam nem da mulher que reclama. Aquela pele sedosa te acaricia enquanto se despe, ela vai te envolvendo te beijando da boca ao pescoço dos peitos a cabeça do pau, já tremulo o gozo esta ali no corpo todo. O sexo frenético arrepiante, alucinante vai se estendendo e vou percebendo que a vida pode existir com gozo. Quando de repente é interrompido o ato: “ ei amor goza logo o tempo esta acabando”. Eu estava gozando, sentia-me gozando, mas me deparo com um esporro: “você não goza”. Gozar seria somente coloca a porra pra fora? Essa porra toda não passou disso, jogar a porra pra fora? por fim eu joguei ela pra fora e com isso toda porra de vida voltou pra minha consciência, paguei e a pele sedosa que neste momento nem me parecia mais sedosa, fedia, fedia como todos aqueles que fedem depois do trabalho.

Ass: Saul Amorim

domingo, 30 de outubro de 2011

Devaneio - Orlas, bordas e molduras.

As vezes me pergunto da função da televisão. Mas sem partir da televisão como um conjunto de atividades “super-estruturais” que vão desde os estúdios de jornalismo e arte cinematográfica; como indústria da cultura. Parto do próprio aparelho. Essa caixa luminosa que ocupa algum volume em uma repartição de nossas casas.

O que é a TV além de um aparelho que representa imagens? Será que ela tem uma função tão útil que mereça todos os adornos que fazemos em torno dela. Que diferencia a TV de um oratório (móvel onde ficavam as imagens de religiosas em outras épocas deste Brasil)? Na minha casa por exemplo, há um móvel apenas para sustentar a TV. Ou seria ela mais um quadro como tantos outros que temos na casa? É bem sabido que na Alemanha nazista as repartições públicas deviam ter retratos do líder do Partido e da Alemanha: Adolf Hitler. Não seria a TV, o adorno pós-moderno que nos lembra quem são nossos lideres, salvadores, nobres, generais entre outros que merecem nossa “dobra”?

Até vejo os defensores dos cidadãos Kane e suas respectivas esposas apontando para o fato de que usar uma TV para esta “utilidade” que pode ser feita com a simplicidade de um quadro ou de um oratório. Ora, diriam eles: “Somos práticos, Diego. Será que essa tua ‘torpeza comunista’ não lhe permite ver que se fossemos uma sociedade que precisasse de uma imagem de um ‘líder’, de um ‘modelo’, seriamos ao menos utilitários: ponha-se um quadro ou um oratório de uma vez. A TV foi criada para outras utilidades...”. Creio que ao final, concluiriam uns: “A TV se presta para comunicar pessoas”. Acho isso simplista, boçal, “plebeu” como prefeririam alguns. Por de traz dessa visão utilitária do “aparelho de recepção de imagem televisionada” (doravante referido apenas como TV), esconde-se uma completa incapacidade de questionamento. Partem de uma práxis para deduzir que a TV tem utilidade. “Usa-se a TV, portanto a própria tem utilidade”. Ardiloso, porem simplista. A própria conclusão de que a TV se presta a comunicação entre pessoas, termina por pecar justamente contra o critério que adoram. As pessoas comunicam-se sem TV desde a muito tempo. E das mais diferentes formas, com os mais diferentes resultados. Comunicar-se é uma palavra genérica de mais para definir qualquer comportamento humano. A religião é comunicação. A escrita é... A ordem marcial... A justiça... A verdade... A filosofia... Que importa de tão próprio a TV, em seu ato de comunicar, ao ponto de tornar-se um bem de consumo tão básico quanto uma geladeira (que conserva alimentos) ou um forno a gás? Por que fazemos dela algo tão essencial a nossas casas quanto os bens de higiene ou de alimentação?

Para trazer entretenimento a nossas casas? Reforçar nossos estados de alma? Mas não era o que faziam os oratórios ou os quadros de lideres? Reforçar nossa lembrança de que há “alguém olhando por nós e para nós”?

Questiono isso porque de repente me percebo como se jogasse um jogo com esse ser: a TV. Olho-a... Ela mostra-me meus ídolos... Meus lideres... Meus sacerdotes... Médicos... Irmãos... Pensadores... Minhas esperanças... Minhas verdades... Meus vizinhos... Minhas dores... Os embaralha. E de novo... Imagens de pessoas, de identidades, lideres, dores, minhas ou não... E novamente, os embaralha. Consumo, verdade, satisfação, líder, religião, sexo... Embaralha. Drogas, insolência, orgulho, verdade, vingança, violência, satisfação... Os embaralha. Um jogo mudo. No qual eu não tenho reação, mas recebo cartas. Apenas vejo. No outro dia, pessoas conversam avidamente sobre as coisas que a TV os mostra. Há qualquer coisa de carente na conversa. As pessoas se lançam sobre esses assuntos de uma forma simples. Conversar sobre o que a TV diz é normal! Mas por que seria tão normal falar do que a TV diz? Por que é comum a todos? Mas as pessoas tem um sério problema de falar de algumas coisas que são comuns. E o mais estranho, não falam sobre outras formas de arte. Nem tudo que é comunicado a todos por ser um fato natural comum ou por ser representado para todos, é conversado. Por que falar do que a TV diz? Não seria por querer responder a TV?

Fenomenal essa máquina de embaralhar. Instigadora da procura pela verdade em um hall de mentiras que ela mesmo não discerne, enquanto deixa as pessoas havidas por uma oportunidade de réplica. A TV foi a pool de valores do século XX. Uma enorme bricolagem sem sentido que instigava seus participantes a ver sentido em si mesma. As pessoas articularam suas próprias verdades em torno do que diz a TV. Não me surpreenda que usem a TV para acobertar suas dores (como as famílias que, para não se enfrentarem, pacificam-se na frente da TV). Me surpreende é que não acobertem a TV com outra coisa. Se fala da TV, por bem ou por mal. Alguém que não fala da TV é “alienado”. “Em que mundo vive esse que não vê TV?” Por outro lado, pessoas compõem os mais diversos e perigosos entendimentos sobre as imagens que aparecem na TV. Algumas tornam-se diferentes esquemas daquilo que meramente vêem na TV. Apontam seus lideres e seus medos entre figuras que só aparecem na TV.

Eis aí um ciclo com resultados interessantes. A TV semeia proposições embaralhadas. As pessoas a digerem de forma mais ou menos orientada que puderem. E cá estou com um punhado de ET’s do mundo da TV que apontam seus lideres entre mesclas de sofrimento e prazer. A TV é a representação do céu antigo que dizia aos homens o que fazer, com a vantagem de ser “mais portátil que céu”, além de poder ser socialmente definida (como os quadros e imagens religiosas). A união das pessoas com a TV, nascem os lideres, as estrelas, as verdades e tudo que é. A TV, assim como o oratório e o quadro do líder, é a borda do universo, neste mundo de massas. Ela diz o que somos. Passível de ser colocada em casa, como um quadro ou um oratório; superando estes com sua capacidade de variar. E instigando nos seus ouvintes a carência por uma oportunidade de resposta (assim como o céu da antiguidade), obriga-os a ruminar o que já mais poderão responder a TV.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Nós lê os livro/Nós não lemos os livros

O livro didático (destinado, principalmente, à Educação de Jovens e Adultos) Por uma vida melhor, publicado pela editora Global e aprovado pelo MEC, vem causando uma série de polêmicas em relação ao ensino de Língua Portuguesa. E isso é ótimo! Tenho acompanhado as discussões desde o surgimento dos debates e lido opiniões interessantíssimas (inclusive aqui na Gazeta), tanto de pessoas que apoiam a postura do MEC, quanto daquelas que a condenam. Porém, alguns julgamentos me deixaram, pessoal e intelectualmente, muito preocupado: ou por causa do total desconhecimento sobre o assunto da parte de quem os expressou, ou porque são tendenciosos.

Aos primeiros, não há por que condená-los. Quantas vezes eu, enquanto estudante, não defendi meu ponto de vista, na melhor das boas intenções, apenas para depois perceber que estava entendendo as coisas de um ponto de vista equivocado? O que fazer? Reconhecer a própria ignorância, dando o braço a torcer: “Ih! realmente, eu tinha pensado algo bem diferente. Reconheço meu erro e…”, usando as palavrinhas mágicas do conhecimento: “… vou buscar saber mais sobre isso”. A menos, é claro, que estejamos convictos de que a nossa opinião é imutável, mesmo diante de evidências nos mostrando o contrário.

No caso do famigerado livro, bastaria explicar alguns pontos mal entendidos para ver que grande parte dos impropérios lançados contra ele não passa de engano. O primeiro – e mais importante – esclarecimento é o que trata da distinção entre fala e escrita. É um aspecto tão relevante, que eu levaria páginas e mais páginas para explicar apenas o básico, e esta não é minha intenção. Basta, por agora, saber que escrever e falar são coisas distintas, pois atendem a objetivos diferentes. No Rio Grande do Sul, são poucos os que conjugam, na fala, os verbos na segunda pessoa do singular, às vezes mesmo em situações formais. Dizemos “tu fala”, “tu vai”, “tu leu”. Repararam na forma verbal que eu usei – “dizemos”?

Pois, é. Nós falamos assim, mas sabemos que, na escrita formal, gramaticalmente correta, devemos conjugar o verbo na segunda pessoa, ou usar o pronome de tratamento “você” e a conjugação da terceira pessoa, que é bem mais fácil (e estilisticamente mais bonita, diga-se). O livro Por uma vida melhor fala exatamente isso! Que falar e escrever são diferentes e, NA FALA, as variações são permitidas em determinadas situações. Isso está escrito de uma maneira tão evidente, que o primeiro capítulo se chama justamente “Escrever é diferente de falar”! Em nenhum momento está dito que é permitido escrever “nós pega os peixe”, ou qualquer outra deturpação da norma culta. O capítulo polêmico, ou o livro inteiro, estão na internet, eu o li, e desafio qualquer um a me apontar nele onde se diz o contrário. Duvidam? Um dos exercícios desmascara toda a má fama da publicação, página 25, exercício 4: “Nestas frases, as palavras destacadas estão escritas como, geralmente, são pronunciadas. Reescreva-as de acordo com as regras de ortografia”.

Acho que estamos indo bem, já podemos ver que a proclamada bomba atômica contra a Língua Portuguesa não é nem um estalinho. Agora, vamos entrar na questão ideológico-política. Estão acusando o Ministério da Educação e o governo de situação de tentar implantar uma nova língua no país (fazendo referência à Novafala [Newspeak] do romance 1984, de George Orwell). A ideia é absurda, visto não se tratar de nenhuma mudança, muito menos, como mostrei, na fala. Penso que o estopim de toda a polêmica tenha sido a tomada de consciência – por parte de algum jornalista mal-intencionado ou, na melhor das hipóteses, desinformado – sobre um campo de estudos existente desde a segunda metade do século passado, e que ganhou força e representatividade no Brasil na década de 1980. Falo da sociolinguística, ramo da linguística, que, dentre outras coisas, estuda os dialetos de uma língua, isto é, as variações da fala presentes em diferentes regiões ou classes sociais. O tal sujeito deve ter ficado abismado em saber, por exemplo, que na escola se discute a existência de diferenças entre a fala coloquial e a fala culta! Ou que estão ensinando aos nossos alunos a obviedade mais óbvia (sic): existem determinadas pessoas, de determinados grupos sociais (muitos alunos talvez pertençam a um deles) que fala “nós pega o peixe”! Isso não parece muito mais aceitável do que negar a existência de variações da fala e dizer que apenas uma, e somente aquela, existe? Alguns vão replicar: “Mas o objetivo da escola não é ensinar a escrever nessa variante.” E não é mesmo. Tanto não é, que em nenhum lugar está dito que deveria ser.

Mas os oportunistas aproveitaram bem a situação para fazer o que sabem fazer de melhor: politicagem, em vez de política, chegando ao cúmulo de acusar o governo petista de tachar de preconceituosos aqueles a favor da norma culta. Mais uma vez a ignorância reina. Uso “ignorância” sem querer ofender ninguém, mas no sentido de “ignorar” certos assuntos. A crítica ao governo atual, neste caso, é de tal modo sem fundamento quanto aquela do livro. Não quero defender o PT, a crítica é infundada mesmo, porque basta ler os Planos Curriculares Nacionais aprovados em 1997 (pleno governo FHC) para encontrar o seguinte trecho, na página 26 do segundo livro: “A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas.” E depois o texto segue falando sobre o preconceito, sobre o papel da escola, sobre considerar os contextos, etc. Ou seja: falar sobre preconceito linguístico não é coisa de governo petista!

Agora, para concluir, um apelo pessoal, de minha parte e de muitos outros que gostam de ler, de pensar, de participar de bons debates e discussões porque acreditam que eles enriquecem o conhecimento da nossa sociedade: não se sintam acanhados por emitirem opiniões equivocadas por desconhecimento; não se melindrem por falarem uma bobagem, só porque ignoravam certos assuntos; errar é tão humano que chega a ser necessário para aprender. Criticar livros que não leu esse é que é o pecado; e nos casos em que se declara publicamente que não o lerá, apesar de continuar criticando, fico constrangido por tamanha vergonha.

terça-feira, 21 de junho de 2011

A Mídia Brasileira

Há muito tempo que venho denunciando os males dessa nossa mídia brasileira. No entanto foram poucas as oportunidades que tive de explicar os meus motivos para integrar essa multidão que não toleram a forma como a informação é compilada por jornalistas, colunistas e outros “istas” dos grandes meios de comunicação para ser repassada a população em geral. Não tinha essas oportunidades porque grandes meios de comunicação repassam grandes quantidades de informação (dãh, até ai nenhuma novidade). Então seria uma empreitada muito trabalhosa e muito pouco proveitosa, pois eu teria de vasculhar um vasto acervo de literatura periódica e jornalística para isolar alguns dos erros que eu venho notando, além do que é um trabalho que já é realizado pela esmagadora maioria dos jornalistas brasileiros. A própria forma de trabalho e a situação dos meios de comunicação, que de forma transparente e honesta ou oculta e corrupta, que se encontram vinculados a essa ou aquela posição política, exige.

Mas dessa vez, Reinaldo de Azevedo conseguiu, numa cajadada só, colocar vários dos defeitos que eu imputo ao jornalismo brasileiro em geral (me perdoem os estudantes de jornalismo, jornalistas, e outros escritores que não repetem este erro e que provavelmente sabem deles até melhor do que eu) num só texto. Texto este que diz respeito a minha área de formação. Um prato cheio para mim!
Segue no link abaixo, o texto a que me refiro:

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/“ei-policia-pedofilia-e-uma-delicia”-isso-pode-ou-nao-pode-senhores-ministros-do-stf-ou-nasce-um-poder-discricionario/

O autor do artigo dá várias demonstrações de desconhecer o assunto do qual fala. Quantidade inesperada de alguém que escreve colunas, artigos e outros textos em um meio de comunicação tão extenso quanto a Veja. No, entanto, neste artigo, vou ater-me a alguns equívocos, que creio eu, serem mais difíceis de serem percebidos e corrigidos pela população em geral.

Vamos começar pelo trecho a baixo:

"Eu estou afirmando que se trata, nos dois casos, de apologia de conduta criminosa. O tribunal está obrigado a dizer por que um pode e por que o outro não. O tribunal está obrigado a dizer qual é a hierarquia dos crimes e quais podem ser objetos de apologia e quais não podem."
Parimeiro ponto: o tribunal não está obrigado a dizer por que um pode e por que o outro não. Por que? Porque quem definiu o que não pode, foi a lei e a lei, criada democraticamente, não deve explicação ou motivação a ninguém porque sua motivação e suas explicações já foi discutidas em um processo democrático.
Segundo ponto: é que o “tribunal” deve sim explicações. Claro que as deve. No entanto, a explicação deve esclarecer porque um trecho da norma é inconstitucional ou não. Não se vai ao STF para discutir as razões de um ato ser crime e outro não. Se vai lá para discutir a constitucionalidade das leis. O tribunal não tem de explicar porque uma dada conduta é criminalizada e outra não é.
Terceiro ponto: hierarquia dos crimes? Olha, não é impossível falar nisso. Mas eu nunca vi esse termo ser utilizado. Já li sobre crimes hediondos ou até em hierarquia de direitos (que é algo que é considerado para estudo de certos aspectos do Direito Penal) mas não me lembro de ter lido ou ouvido sobre “hierarquia de crimes”. Além do que, o “tribunal” não tem de falar sobre isso para falar de constitucionalidade de uma norma.

“E sabem por que o tribunal não o fará? Porque está fora de sua competência; ele teria de passar a legislar. Assim, na impossibilidade de fazê-lo, então atribui a si mesmo poderes discricionários. De hoje em diante, não é mais crime o que o Código Penal define como crime. De hoje em diante, é crime o que o STF define como crime.”
Primeiro que sim... O STF não pode legislar. No entanto, o STF possui SIM poderes discricionários. É a própria essência do “poder” do STF e a ferramenta principal para sua função. Só que o STF não pode dizer o que é crime, apenas a lei pode. Ora, então que poder discricionário é esse? É o poder de declarar a inconstitucionalidade de uma lei em todo ou em parte e assim negar-lhe eficácia a partir de um dado ponto no tempo, para toda a nação ou para casos específicos. Então o STF pode simplesmente decidir que uma lei não se aplica a um caso, ou que ela não se aplica nunca mais? Sim, pode. É claro que esse poder encontra limites. Apenas alguns tipos de procedimentos, iniciados por alguns tipos de pessoas, permitem ao STF concluir a inconstitucionalidade de uma lei para toda a nação. Existe todo um jogo (ou sistema) de “teoria”, de procedimento, de direito, de legalidade, mas esses poderes existem. E além do mais, a decisão deve, ser fundamentada, ou seja, explicada.
Então quando o STF disse que aquele trecho do Código Penal, que versa sobre o crime de apologia, não se aplicam ao caso da marcha da maconha, nada fez além de sua própria obrigação, dentro dos poderes que lhe foram conferidos pela constituição.
Esse tal poder de dizer o que é “crime”... O STF não tem. O que ele tem é o poder de “revogar” uma lei que diz que algo é crime, com base na constituição. No frigir dos ovos, o STF não pode dizer o que é crime, mas pode dizer o que não é! E isso não é “de hoje em diante”, mas desde 1988.

E mais ao final:

O STF está tão poderoso que revoluciona também a semântica!

Não sei se podemos dizer que o STF "revoluciona" a semântica, mas essa foi uma das conclusões mais corretas do texto! Se considerarmos que a função do STF é investigar as possíveis interpretações da constituição e isolar as mais adequadas para serem usadas, não fica difícil de entender que mudar a semântica da lei e da constituição é justamente a função do STF. E isso pode ser confirmado em várias fontes acadêmicas, que já colocam a corte constitucional (que no Brasil é o STF) como um órgão que gera esse efeito: mutações da semântica da lei. Aos poucos e correndo um percurso que dura pouco menos de um século, os diferentes guardiões da constituição (ou seriam “detentores”?) mudaram o significado das constituições, das leis, e das palavras que nelas estão.

Conclusão
Temos um texto feito por alguém que, ao que parece, desconhece completamente as funções e o contexto jurídico do STF, entre outros aspectos políticos e jurídicos que dizem respeito ao nosso Estado contemporâneo. Autor este que faz um apelo ao discurso da autoridade técnica enquanto faz uma análise que beira o bizarro e completamente carente de qualquer técnica.
Por outro lado, poderíamos dizer que o autor não é nem um bacharel em direito. Quero dizer, ele não teria a responsabilidade de saber essas coisas. Pois bem, então porque escreve sobre isso em um meio de comunicação de grande circulação enquanto um jornalista? E o pior, por que escreve enquanto conclui, no meio do artigo, com uma petulância própria de um senhor soberano e absoluto portador da razão: “Não vão responder porque não há resposta possível”? Um jornalista que não pesquisa, pede uma justificação jurídica enquanto discursa sobre o assunto de forma completamente ignorante sobre o que diria a técnica jurídica, e conclui dizendo que não existe resposta possível!

Eis aí colegas, um texto que exemplifica bem o que é a grande mídia brasileira e como ela é feita. E que fique claro... Existem mais equívocos no artigo.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Flaskô!

Um dos problemas do anarquistas hoje em dia, é mostrar que tem um acervo de idéias que pode ser posto em prática. Uma proposta de sociedade economicamente viável. Com a queda da URSS, muito mais por uma questão de preconceitos da população civil do que por qualquer outra questão, a critica ao capitalismo perdeu vozes e oportunidades de dialogar com as pessoas. Criticar capitalismo tornou-se um comportamento de época, uma época que se foi.

Então trago-lhes aqui, um exemplo palpável do que querem os anarquistas. É necessário lembrar, que não sonhamos algo novo, mas que é muito velho e plenamente possível.

Eis aí um documentário sobre a Flaskô!

Parte 1:

http://www.youtube.com/watch?v=ZVL6VOjjeew&feature=player_embedded#at=67

Parte 2:

http://www.youtube.com/watch?v=kAB37W6PZpo&feature=related

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Do "livre mercado"

Este post é somente uma sátira, em forma de resposta, ao post do Diego, que é deveras esclarecedor, todavia.

Não me prestarei a detalhes, já que eles se encontram nas entrelinhas - a se tratar desta extirpe supracitada.

-  http://www.youtube.com/watch?v=M40ujJ8R5nM


O mercado é a música; nós somos os "atores" (por isso estamos fantasiados) seguindo o "curso natural e espontâneo" das coisas.


Reparem como somos todos pomposos e, devido a "gratidões divinas" em função de respeitarmos o curso das coisas, podemos nos destacar em alguns momentos; o único mal ocorre quando a música para - pois se supõe que não se pode dançar de outra forma.

Alguns hão de dizer que, o narrador que se ouve ao fundo, é o Estado, que se intromete no "curso natural das coisas" e dita ordens arbitrárias.

Ou seja, aqui chegamos no ponto principal: elevam o estado a condição de entidade, a ponto de, para justificar tal alegação se supõe que ele esteja "além" do cenário dessa suposta "ordem natural", não que ele faz parte dela - jamais!

Vaidosos.. rs

Não há de se espantar tanto, todavia; não pode ser menos do que um poderoso vilão, aquele que tem poder de intervir no "curso natural das coisas", e ainda permanecer ileso, indelével.

Primeira premissa para se ir à uma guerra - ter um inimigo.

Mas o tolo não deixa de ser tolo quando finge-se de tolo, apenas dentro de si mesmo é que ele se regozija e pensa ser o esperto. A vaidade lhes leva a vestir qualquer carapuça.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A critica ao capitalismo e a proposta mutualista I: a ficção do fruto

Pretendo trabalhar nestes pequenos artigos de blog que chamarei de “A critica ao capitalismo e a proposta mutualista” as diferenças que existem entre os modelos de produção capitalista e mutualista. O objetivo é entender as diferenças entre os dois modelos bem como as conseqüências dessas diferenças, que por vezes começam com detalhes pontuais e progridem ao absurdo do imprevisível.

O ponto critico e fundamental que difere o mutualismo do capitalismo é a forma de “propriedade privada” que ambos modelos usam. Acontece que os mutualistas não classificam, de imediato, a propriedade privada como algo que só pode existir em uma sociedade capitalista, ou como se a propriedade privada desaguasse necessariamente em uma sociedade capitalista. Se considerarmos propriedade privada, como o modelo de propriedade típico de uma sociedade capitalista, ou seja, aquele modelo de propriedade proposto pelos liberais e pelos iluministas, aí sim, podemos dizer que em mutualismo não há propriedade privada. No entanto, o primeiro problema de tratar este assunto é que a maioria dos “tolos” sempre se ateve ao “sabor das palavras”. Ou seja, algumas pessoas, sejam anarquistas, socialistas, liberais, preferem ler a palavra pelo que ela diz e não pelo que o locutor quer apresentar com ela. Então, certamente diria o tolo: “propriedade privada é tão somente o direito do cidadão de fazer o Estado e seus semelhantes respeitarem o acervo de bens que compõem seu patrimônio”. Pela palavra, e tão somente pela palavra, a propriedade privada é tão somente esse direito de um ser humano “ter a coisa”. Direito que existe em ambos os modelos.

No entanto não é de ter coisas, que vive o capitalista. Capitalismo só é o que é, porque além do direito que o capitalista tem sobre a coisa, ele tem alguns outros. Adam Smith nota que:

[…] momento em que o patrimônio ou capital se acumulou nas mãos de pessoas particulares, algumas delas naturalmente empregarão esse capital para contratar pessoas laboriosas, fornecendo-lhes matérias-primas e subsistência a fim de auferir lucro com a venda do trabalho dessas pessoas ou com aquilo que este trabalho acrescenta ao valor desses materiais. Ao trocar-se o produto acabado por dinheiro ou por trabalho, ou por outros bens, além do que pode ser suficiente para pagar o preço dos materiais e os salários dos trabalhadores, deverá resultar algo para pagar os lucros do empresário, pelo seu trabalho e pelo risco que ele assume ao empreender esse negócio. Nesse caso, o valor que os trabalhadores acrescentam aos materiais desdobra-se, pois, em duas partes ou componentes, sendo que a primeira paga os salários dos trabalhadores, e a outra, os lucros do empresário, por todo o capital e os salários que ele adianta no negócio. (SMITH, Adam; 1996, pág. 102)

E também nota que:

[…] não poderia ter interesse algum em empenhar esses bens, se não esperasse da venda do trabalho de seus operários algo mais do que seria o suficiente para restituir-lhe o estoque, patrimônio ou capital investido; por outro lado, o empresário não poderia ter interesse algum em empregar um patrimônio maior, em lugar de um menor, caso seus lucros não tivessem alguma proporção com a extensão do patrimônio investido.(SMITH, Adam; 1996, pág. 102)

Dessas duas passagens, podemos concluir que o capitalismo não é a simples detenção dos bens, mas o regime onde uma pessoa tem direito aos frutos do próprio patrimônio, como se “frutificar” fosse uma característica inerente a toda coisa que torna-se patrimônio de alguém. É possível que um fazendeiro, ou um simples dono de uma chácara perceba os frutos do pé de laranja que tenha no fundo do quintal e o venda. Isso é perfeitamente normal, porque um pé de laranja, de fato frutifica tão somente por ser um pé de laranja. Ao contrário, se deixarmos um punhado de variados metais, borracha, espuma e plástico no quintal da casa do proprietário, nem após 3 safras de laranja, teremos um carro montado. O proprietário então, depende de um outro fator para fazer esse punhado desorganizado de materiais tornar-se um bem de alto valor econômico. Ele precisa de alguém que trabalhe esses materiais.

Durante a história, houveram diferentes regimes que visavam, de formas distintas disponibilizar uma quantidade de mão de obra, disponível aos membros da elite. Ou seja, diferentes categorias de escravos que produziam toda a riqueza para uma elite. Em regimes escravocratas, a frutificação do patrimônio se dava porque o próprio patrimônio tinha a habilidade de trabalhar, afinal os escravos eram parte do próprio patrimônio. Em uma sociedade capitalista, a situação é invertida. Ao invés de ter o direito sobre o trabalho do escravo, o capitalista tem o direito sobre o trabalho de qualquer um que trabalhe em bem dele próprio. Então a ficção de que tudo é passível de “frutificar como uma árvore frutífera” é uma ficção social necessária a manutenção desse direito, que é, como mostrou Adam Smith, o principal elemento que configura o capitalista.

Numa perspectiva mutualista, essa ficção é tomada como um absurdo. O único que tem o direito ao “fruto da coisa” é o elemento humano que a fez “frutificar“. Por outro lado, considerando o que o próprio Smith disse, se essa ficção morre e se o trabalho agrega direitos sobre a coisa, o capitalismo se perde, pois perde-se a tão preciosa liberdade do capitalista de “administrar o bem” como lhe interessar. E é claro, faz a operação comercial ficar pouco ou nada competitiva. Acontece que quanto mais trabalhadores do meio de produção puderem participar nos ganhos, tão menor será o direito do capitalista de perceber, sozinho, os “frutos” dos meios de produção.

SMITH, Adam; A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas; São Paulo: Nova Cultural, 1996;

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Escola: Fábrica de despersonalizados


Quem nunca assistiu ao maravilhoso clipe Another brick in the wall do Pink Floyd? - (segue link do clipe a seguir: http://www.youtube.com/watch?v=M_bvT-DGcWw, vale a pena conferir) - Afinal do que se trata tal clipe? De um problema que assombra a sociedade contemporânea: A educação.

Em primeiro momento é necessário perceber e avaliar o valor simbólico do trato da educação enquanto “problema”, tal simbologia implica frequentemente num olhar desesperançoso, fatalista, ou pessimista (em sua maioria das vezes). Mas também há um lado bom nisto, apresenta uma visão mais crítica da educação, basta lembrar que a educação medieval e moderna muitas vezes eram exaltadas com prestígio, como aplicadoras de um método pedagógico brilhante, adequado, aparentemente “bem-sucedido”, pensamento este compartilhado pela grande maioria da população e profissionais da educação, e aqui inclui-se professores, família, mídia, etc, um olhar acrítico da educação de tempos passados e, de certo ponto, ingênuo, por não considerar, ou não conhecer com mais profundidade os processos cognitivos de seus alunos, a função social da escola, estratégias eficientes de ensino, entre outros “pormenores”...

De certa forma, a educação contemporânea reconhece erros do passado e do presente, e não chega a ser tão presunçosa sobre suas perspectivas futuristas. Mas ainda há certas diferenças entre a escola pública e privada, diferenças que valem a pena ser ressaltadas e discutidas.

Boa parte das escolas privadas e de outras instituições educacionais privadas paralelas (como os famosos cursinhos, por exemplo), empregam ainda muitos métodos tradicionais inadequados e obsoletos, focando sobretudo o desempenho da memória e até mesmo “truques” para maior eficiência na execução de um vestibular. Obviamente, estas instituições adotam um eixo conteudista, porque, na visão destas, o principal objetivo educacional é formar um bom profissional. A lógica é simples: Os pais querem que seu filho faça uma faculdade, adquira uma profissão, consecutivamente um bom emprego, com o tempo adquirindo a capacidade de consumir, manter-se, e manter (se possível expandir) o patrimônio da família, ao longo das gerações, e surge uma escola apresentando-se como condutora dos "sonhos dourados". Uma situação puramente mercadológica, onde apresenta os agentes Empresa (escola) <> Cliente (pai), e um negócio (educação) com critérios (eficiência, produtividade, custo, etc). Numa comunicação bastante limitada, a Escola forma seu método de aprendizagem em função da expectativa do leigo comprador, um diálogo quase morto, que desconsidera inúmeros elementos fundamentais e essenciais da educação... Restringe-se ao “Quanto custa? Vale a pena? Vocês cumprem o que prometem?”, claro que não necessariamente com essas palavras, e não necessariamente há um diálogo direto e consciente com esta pretensão, muitas vezes implícita na procura pela aparente “melhor educação”, contudo, basta compreender e perceber que esta maneira de encarar e fazer educação é bastante simplista, ingênua, despreparada. Talvez seja inteligente e perspicaz lançar propostas puramente mercadológicas para a compra de refrigerantes ou video-games, mas com certeza não o é para avaliar uma proposta educacional. É necessário o diálogo, abrangente e inteligente, entre os alunos, professores, famílias, pedagogos, outros profissionais da área educacional, agentes produtivos, outras instituições, enfim a sociedade.

Já a escola pública pode ser considerada possuidora de uma visão pedagógica mais crítica, superando esse aspecto antiquado incrustrado na escola privada, analisando com rigor os métodos tradicionais focados numa educação conteudista e os criticando. O eixo que a escola pública adota se baseia no desenvolvimento de habilidades e competências, que são fundamentais para o cotidiano e para o aprendizado de outros saberes. O “saber fazer” é mais importante do que o “conteúdo em si”... Mas como se fundamenta essa máxima? As visões tradicionais encaram a escola e o professor como detentores do saber, uma visão errônea que muitas vezes leva a pensar que o saber é propriedade absoluto da escola. Há um saber (ou conhecimentos) todo aí disponível fora da escola, seja na literatura, na internet, nas enciclopédias, no meio familiar, nas artes, na música, na internet, nas instituições religiosas, nas mídias, etc. O aluno precisa perceber que o saber também se dá fora da escola, precisa entender que o processo de aprendizado se dará ao longo de toda a sua vida (inclusive após a vida acadêmica), para isso é necessário focar no desenvolvimento de habilidades cognitivas (como a interpretação de texto, leituras de gráficos ou de tabelas que apresentam informações de forma diferenciada, criatividade, etc), e no emprego de várias habilidades, mobilizadas amplamente com um objetivo, as famosas competências (como exemplo a compreensão de um artigo científico), o objetivo final: o desenvolvimento da meta-cognição (aprender a aprender), habilidade fundamental para a emancipação do indivíduo que aprende muito além da escola. Outro ponto bastante positivo da escola pública é o objetivo, já implícito na frase acima, de propor uma “educação essencialmente para a vida” (em oposição a educação essencialmente para o emprego). Mas com certeza o leitor deve perceber que a educação pública não vive tempos gloriosos, pois apesar de adotar um ponto de vista mais crítico, tem condições precárias para sua execução... Baixos salários (e outras remunerações) para os profissionais da área, burocracia excessiva, desnecessária e mal-empregada que só atrasa ou desestimula uma iniciativa mais ousada ou efetiva do professor, salas de aula lotadas, falta de comunicação entre as redes hierárquicas (muitas vezes motivadas pela provocação entre categorias de uma rede), desestímulo e despreparo de um professor, muitas vezes com uma visão anacrônica da educação na sociedade, desconsideração dos interesses e das sugestões dos professores por parte de pedagogos, burocratas, políticos, mídias e cidadãos em comum, a ignorância familiar sobre as visões da educação, a baixa (e pouco efetiva) participação familiar, a falta de situações culturais disponíveis ao desenvolvimento intelectual do aluno, enfim a lista é longa. E a proposta de formar um aluno preparado para vida, que “sabe fazer”, crítico, consciente e criativo se materializa numa proposta irrealizável. Mas ainda assim não podemos encarar essa escola com vontade de mudança metodológica e ideológica efetivamente coerente com seus objetivos teóricos, visto que dentro desta mesma escola se reproduz os valores simbólicos que limitam o homem ao emprego, como exemplo podemos citar o horário fixo e pouco flexível adotado pelas escolas, a organização das carteiras de uma forma bem sistemática lembrando uma esteira de produção, ou um sistema de notas (mais preocupado em classificar como “melhor, razoável ou pior” do que em perceber se o aluno de fato aprendeu), homogeneização do ensino, alunos tratados como números, muitas vezes uniformizados, todas estas características preparadoras para um homem operário, empregado, disciplinado, rotulado, contabilizado, subordinado num sistema que dele isso se espera.

Para enfatizar o caráter de despersonalização que a escola possui vou abordar como a despersonalização ocorre no mundo produtivo, então, basta ao leitor efetuar a ligação entre o preparador para a vida produtiva e a vida produtiva em si, percebendo o processo de despersonalização. O sistema econômico que vivemos é capitalista, o capital é a principal força econômica, o que implica em que os capitalistas (investidores, empresários, donos do capital, contratante de trabalhadores) são os principais agentes econômicos. Tais capitalistas necessitam de verdadeiros motores produtivos (empregados), que lhe garantem uma margem de lucro cada vez maior, precisam, portanto, de mão-de-obra qualificada, cada vez mais qualificada. Contudo os empregados, como empregados que são, não devem ter lá tanta iniciativa, tanta vida, tanta crítica, tanto pensar... É necessário produzir, e para produzir é muito importante deixar de pensar, a menos que os determinados “pensares” constituem-se ou implicam em formas de produzir. Contudo, com a crescente consciência e crítica da “classe dos proletários” é necessário métodos que impeçam pensamentos subversivos aos objetivos capitalistas (o pensar possibilita o rompimento dos laços de dependência), tais métodos destacam-se em dois grandes grupos: Os violentos e os ilusionistas, os violentos foram em grande parte vencidos pelas próprias circunstâncias no decorrer da história, enfim “apesar de tudo, vagabundos não merecem o açoite por ser o que são” (notem as aspas). Mas os ilusionistas permanecem poderosos: o apelo à ideologias que tornem inertes a iniciativa de se pensar, o trabalho passa a ser “santificado” à parte da vida, encaixa-se numa categoria bem definida: o emprego, verdades passam a fazer tanto sentido “Todo trabalho é digno”, “O trabalho enobrece o homem”, acaba se criando um pano de fundo propício a uma personalidade profissional a parte da pessoal, é importante que sejamos sujeitos profissionais, grandes profissionais, ainda que nossa vida pessoal seja uma ruína. Esta personalidade, exaltada aos poucos, gradualmente chegando a patamares de ovação, toma lugar da personalidade pessoal, a máscara passa a ser o reflexo da alma. Isso é bem notável no “mundo profissional”, pessoas preocupadas com o trabalho, produzir, ganhar dinheiro, sem levar em conta o “viver”. O resultado disso: stress, ansiedade, depressão, vícios, etc. O homem serve ao trabalho, quando o trabalho deveria servir ao homem. Mas qual seria a proposta alternativa a esta adotada na realidade? Perceber que o trabalho não é um elemento constitutivo a parte da personalidade do indivíduo. O trabalho é um item formador do indivíduo, em bem verdade não existe homem sem trabalho e vice-versa. Por isso é importante se preocupar em formar grandes pessoas, ao invés de meros grandes trabalhadores/empregados. Grandes pessoas são capazes de fazer um grande trabalho, e com uma visão muito mais solidária, já, nada garante que grandes trabalhadores (empregados profissionais) serão grandes pessoas. É importante se preocupar com a formação da personalidade do indivíduo, capaz de criar ao decorrer da vida e de se superar, e não dicotomizar de maneira tão presunçosa as dimensões da vida.

Por isso podemos notar que as escolas de hoje (em sua maioria) são fábricas de despersonalizados, pois, desde a infância preparam o homem para assumir uma personalidade profissional, em detrimento de sua própria personalidade, corroboram com o sistema que aí está, suprimem a criatividade, a crítica, expandem a capacidade de produzir, cria sujeitos eternamente dependentes de agentes dependentes de sua realidade dependente.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Dos condicionamentos




Não sei quanto aos camaradas anarquistas, mas eu digo que percebi algo: nunca o ser humano foi bombardeado com tantos condicionamentos como o é agora.
Cada milímetro ao seu redor é um fator condicionante que, somados ou agindo isoladamente, acabam por moldar seu comportamento.
Sim, é claro que de certa forma isso é natural, é se avaliado do ponto de vista de um condicionante por si próprio não é diferente de antes - não no sentido de que ele sempre foi um ser condicionado pelo meio. Só que agora a coisa é mais perversa.
O grau de entendimento a que chegamos me dá confiança para dizer que esses condicionamentos não se dão mais de forma natural e espontânea, em realidade existe um controlo cada vez maior e irrestrito sobre os condicionantes do ser. Para citar exemplos, dentre eles estão os sons que ouvimos, (não estritamente músicas, mas sim todo espectro de sons a que nosso aparelho auditivo está sujeito), aquilo que ingerimos, naquilo que tocamos, e que, consequentemente afeta diretamente na forma como pensamos, nos nossos desejos afetivos e etc...

Repare ao seu redor, dê uma breve olhada e reflita sobre o que vê.
Não será preciso pensar muito, pois a própria pré-percepção, ou intuição visual já nos demonstra algo, mesmo que não estejamos pensando estritamente em algo. E a esse algo que está lá, a dialética que temos com ele e que concebemos nossos juízos é o que se chama de condicionamento. Através dos condicionamentos é que podemos afirmar que determinado algo é um objeto de nossa percepção.

Perceba agora, numa outra olhada ao redor, como tudo o que observamos é por nós de alguma forma um lugar-comum, tudo é cheio de formas geométricas, de cores, de símbolos, de significados, de emoções...
Todavia, muito pouco do que conseguimos capturar do meio é reflexo da nossa real percepção do que em realidade está nos condicionando. Em outras palavras, o "tomar consciência" de um fenômeno-realidade é um processo último, no qual se foi filtrado o "bruto" e que se tem uma percepção mais amena, suavizada.

Antes mesmo de ser formada a nebulosa conjunção mental a que chamamos de pensamento, as formas são apenas arquétipos mentais, que operam à nível não-consciente, e nem poderia ser diferente na medida em que ele se dá apenas por esse processamento não-consciente, como uma intuição por exemplo.

Bem, aonde pretendo chegar?
Como sou curioso e pretendo adentrar minuciosamente nessa análise, olho ao meu redor novamente, só que desta vez com um olhar mais intencional - e eis que nessa intencionalidade encontro o ser humano engendrado no meio em que vive, e que, atualmente é cada vez mais "seu". Todavia, meu olhar me releva algo aterrador: o que vejo é a manifestação da potência do homem se tornando o próprio fator em que se é processada sua própria degeneração.

O homem hoje alcança um grau de entendimento da natureza que lhe permite manipular os processos da vida de forma extremamente impressionante, todavia todo esse conhecimento foi construído sobre pilares patológicos, e eis que surge uma nova visão: tudo o que o home põe a mão, trabalha e cria, é sobretudo, um reflexo de sua potência.

Existe uma sobrecarga iminente sobre nosso aparato sensitivo, e esse bombardeio não é aleatório. O ser humano passa por uma etapa de sua existência em que é inegável o processamento de sua degeneração fisiológica.

O destino dos seres humanos hoje se encontra nas mãos de algumas poucas pessoas, que, pelo poder de afetar diretamente um sem número de pessoas, protagoniza um papél de algoz, todavia se vista de salvador; e o que quero atentar é para o fato de que essas pessoas são inescrupulosas, são o pior tipo de ser que existe no planeta; são degenerados consumidos pelas sua própria luxuria, cuja potência e energia é voltada para a execução enfadonha de suas vontades - são a essência do homem dito racional.

Num mundo em que a condição de ser passa a ser uma atribuição mercadológica, e onde toda a sociedade se engendra e no qual a própria dialética da existêcia da mesma passa a ser apenas em função desse mecanismo, O homem dito racional tem agora o poder que tanto desejou, porém o mais tolo sabe que o excesso - até mesmo de vitalidade - acarreta algum tipo de prejuízo, e que em nosso caso é uma aberração.

A humanidade toma ar, para quem sabe, num grito desesperado ainda tentar esboçar: salve-se quem puder. Talvez ela nem consiga tamanha modéstia.

Foi declarada guerra total contra a humanidade. E agora?

"Exercício de reflexão: toda vez que olhar para algo, investigue de que forma aquele algo lhe condiciona, com o tempo perceberá coisas que antes lhe pareciam não estar lá. (Por exemplo a imagem acima) É a mágica da percepção."

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O Contador solitário.

A burguesia é como um contador criterioso, religioso em seu trabalho, obcecado com fechamentos eficientes e orçamentos "justos", de um Deus capitalista que vive na felicidade e na plenitude da vida, gozando os mais plenos sabores deste mundo.
É claro que um olhar rigoroso permite-nos notar que não existe tal Deus.
Apenas o contador, triste, sozinho, isolado na burocracia da fábrica.