segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Escola: Fábrica de despersonalizados


Quem nunca assistiu ao maravilhoso clipe Another brick in the wall do Pink Floyd? - (segue link do clipe a seguir: http://www.youtube.com/watch?v=M_bvT-DGcWw, vale a pena conferir) - Afinal do que se trata tal clipe? De um problema que assombra a sociedade contemporânea: A educação.

Em primeiro momento é necessário perceber e avaliar o valor simbólico do trato da educação enquanto “problema”, tal simbologia implica frequentemente num olhar desesperançoso, fatalista, ou pessimista (em sua maioria das vezes). Mas também há um lado bom nisto, apresenta uma visão mais crítica da educação, basta lembrar que a educação medieval e moderna muitas vezes eram exaltadas com prestígio, como aplicadoras de um método pedagógico brilhante, adequado, aparentemente “bem-sucedido”, pensamento este compartilhado pela grande maioria da população e profissionais da educação, e aqui inclui-se professores, família, mídia, etc, um olhar acrítico da educação de tempos passados e, de certo ponto, ingênuo, por não considerar, ou não conhecer com mais profundidade os processos cognitivos de seus alunos, a função social da escola, estratégias eficientes de ensino, entre outros “pormenores”...

De certa forma, a educação contemporânea reconhece erros do passado e do presente, e não chega a ser tão presunçosa sobre suas perspectivas futuristas. Mas ainda há certas diferenças entre a escola pública e privada, diferenças que valem a pena ser ressaltadas e discutidas.

Boa parte das escolas privadas e de outras instituições educacionais privadas paralelas (como os famosos cursinhos, por exemplo), empregam ainda muitos métodos tradicionais inadequados e obsoletos, focando sobretudo o desempenho da memória e até mesmo “truques” para maior eficiência na execução de um vestibular. Obviamente, estas instituições adotam um eixo conteudista, porque, na visão destas, o principal objetivo educacional é formar um bom profissional. A lógica é simples: Os pais querem que seu filho faça uma faculdade, adquira uma profissão, consecutivamente um bom emprego, com o tempo adquirindo a capacidade de consumir, manter-se, e manter (se possível expandir) o patrimônio da família, ao longo das gerações, e surge uma escola apresentando-se como condutora dos "sonhos dourados". Uma situação puramente mercadológica, onde apresenta os agentes Empresa (escola) <> Cliente (pai), e um negócio (educação) com critérios (eficiência, produtividade, custo, etc). Numa comunicação bastante limitada, a Escola forma seu método de aprendizagem em função da expectativa do leigo comprador, um diálogo quase morto, que desconsidera inúmeros elementos fundamentais e essenciais da educação... Restringe-se ao “Quanto custa? Vale a pena? Vocês cumprem o que prometem?”, claro que não necessariamente com essas palavras, e não necessariamente há um diálogo direto e consciente com esta pretensão, muitas vezes implícita na procura pela aparente “melhor educação”, contudo, basta compreender e perceber que esta maneira de encarar e fazer educação é bastante simplista, ingênua, despreparada. Talvez seja inteligente e perspicaz lançar propostas puramente mercadológicas para a compra de refrigerantes ou video-games, mas com certeza não o é para avaliar uma proposta educacional. É necessário o diálogo, abrangente e inteligente, entre os alunos, professores, famílias, pedagogos, outros profissionais da área educacional, agentes produtivos, outras instituições, enfim a sociedade.

Já a escola pública pode ser considerada possuidora de uma visão pedagógica mais crítica, superando esse aspecto antiquado incrustrado na escola privada, analisando com rigor os métodos tradicionais focados numa educação conteudista e os criticando. O eixo que a escola pública adota se baseia no desenvolvimento de habilidades e competências, que são fundamentais para o cotidiano e para o aprendizado de outros saberes. O “saber fazer” é mais importante do que o “conteúdo em si”... Mas como se fundamenta essa máxima? As visões tradicionais encaram a escola e o professor como detentores do saber, uma visão errônea que muitas vezes leva a pensar que o saber é propriedade absoluto da escola. Há um saber (ou conhecimentos) todo aí disponível fora da escola, seja na literatura, na internet, nas enciclopédias, no meio familiar, nas artes, na música, na internet, nas instituições religiosas, nas mídias, etc. O aluno precisa perceber que o saber também se dá fora da escola, precisa entender que o processo de aprendizado se dará ao longo de toda a sua vida (inclusive após a vida acadêmica), para isso é necessário focar no desenvolvimento de habilidades cognitivas (como a interpretação de texto, leituras de gráficos ou de tabelas que apresentam informações de forma diferenciada, criatividade, etc), e no emprego de várias habilidades, mobilizadas amplamente com um objetivo, as famosas competências (como exemplo a compreensão de um artigo científico), o objetivo final: o desenvolvimento da meta-cognição (aprender a aprender), habilidade fundamental para a emancipação do indivíduo que aprende muito além da escola. Outro ponto bastante positivo da escola pública é o objetivo, já implícito na frase acima, de propor uma “educação essencialmente para a vida” (em oposição a educação essencialmente para o emprego). Mas com certeza o leitor deve perceber que a educação pública não vive tempos gloriosos, pois apesar de adotar um ponto de vista mais crítico, tem condições precárias para sua execução... Baixos salários (e outras remunerações) para os profissionais da área, burocracia excessiva, desnecessária e mal-empregada que só atrasa ou desestimula uma iniciativa mais ousada ou efetiva do professor, salas de aula lotadas, falta de comunicação entre as redes hierárquicas (muitas vezes motivadas pela provocação entre categorias de uma rede), desestímulo e despreparo de um professor, muitas vezes com uma visão anacrônica da educação na sociedade, desconsideração dos interesses e das sugestões dos professores por parte de pedagogos, burocratas, políticos, mídias e cidadãos em comum, a ignorância familiar sobre as visões da educação, a baixa (e pouco efetiva) participação familiar, a falta de situações culturais disponíveis ao desenvolvimento intelectual do aluno, enfim a lista é longa. E a proposta de formar um aluno preparado para vida, que “sabe fazer”, crítico, consciente e criativo se materializa numa proposta irrealizável. Mas ainda assim não podemos encarar essa escola com vontade de mudança metodológica e ideológica efetivamente coerente com seus objetivos teóricos, visto que dentro desta mesma escola se reproduz os valores simbólicos que limitam o homem ao emprego, como exemplo podemos citar o horário fixo e pouco flexível adotado pelas escolas, a organização das carteiras de uma forma bem sistemática lembrando uma esteira de produção, ou um sistema de notas (mais preocupado em classificar como “melhor, razoável ou pior” do que em perceber se o aluno de fato aprendeu), homogeneização do ensino, alunos tratados como números, muitas vezes uniformizados, todas estas características preparadoras para um homem operário, empregado, disciplinado, rotulado, contabilizado, subordinado num sistema que dele isso se espera.

Para enfatizar o caráter de despersonalização que a escola possui vou abordar como a despersonalização ocorre no mundo produtivo, então, basta ao leitor efetuar a ligação entre o preparador para a vida produtiva e a vida produtiva em si, percebendo o processo de despersonalização. O sistema econômico que vivemos é capitalista, o capital é a principal força econômica, o que implica em que os capitalistas (investidores, empresários, donos do capital, contratante de trabalhadores) são os principais agentes econômicos. Tais capitalistas necessitam de verdadeiros motores produtivos (empregados), que lhe garantem uma margem de lucro cada vez maior, precisam, portanto, de mão-de-obra qualificada, cada vez mais qualificada. Contudo os empregados, como empregados que são, não devem ter lá tanta iniciativa, tanta vida, tanta crítica, tanto pensar... É necessário produzir, e para produzir é muito importante deixar de pensar, a menos que os determinados “pensares” constituem-se ou implicam em formas de produzir. Contudo, com a crescente consciência e crítica da “classe dos proletários” é necessário métodos que impeçam pensamentos subversivos aos objetivos capitalistas (o pensar possibilita o rompimento dos laços de dependência), tais métodos destacam-se em dois grandes grupos: Os violentos e os ilusionistas, os violentos foram em grande parte vencidos pelas próprias circunstâncias no decorrer da história, enfim “apesar de tudo, vagabundos não merecem o açoite por ser o que são” (notem as aspas). Mas os ilusionistas permanecem poderosos: o apelo à ideologias que tornem inertes a iniciativa de se pensar, o trabalho passa a ser “santificado” à parte da vida, encaixa-se numa categoria bem definida: o emprego, verdades passam a fazer tanto sentido “Todo trabalho é digno”, “O trabalho enobrece o homem”, acaba se criando um pano de fundo propício a uma personalidade profissional a parte da pessoal, é importante que sejamos sujeitos profissionais, grandes profissionais, ainda que nossa vida pessoal seja uma ruína. Esta personalidade, exaltada aos poucos, gradualmente chegando a patamares de ovação, toma lugar da personalidade pessoal, a máscara passa a ser o reflexo da alma. Isso é bem notável no “mundo profissional”, pessoas preocupadas com o trabalho, produzir, ganhar dinheiro, sem levar em conta o “viver”. O resultado disso: stress, ansiedade, depressão, vícios, etc. O homem serve ao trabalho, quando o trabalho deveria servir ao homem. Mas qual seria a proposta alternativa a esta adotada na realidade? Perceber que o trabalho não é um elemento constitutivo a parte da personalidade do indivíduo. O trabalho é um item formador do indivíduo, em bem verdade não existe homem sem trabalho e vice-versa. Por isso é importante se preocupar em formar grandes pessoas, ao invés de meros grandes trabalhadores/empregados. Grandes pessoas são capazes de fazer um grande trabalho, e com uma visão muito mais solidária, já, nada garante que grandes trabalhadores (empregados profissionais) serão grandes pessoas. É importante se preocupar com a formação da personalidade do indivíduo, capaz de criar ao decorrer da vida e de se superar, e não dicotomizar de maneira tão presunçosa as dimensões da vida.

Por isso podemos notar que as escolas de hoje (em sua maioria) são fábricas de despersonalizados, pois, desde a infância preparam o homem para assumir uma personalidade profissional, em detrimento de sua própria personalidade, corroboram com o sistema que aí está, suprimem a criatividade, a crítica, expandem a capacidade de produzir, cria sujeitos eternamente dependentes de agentes dependentes de sua realidade dependente.

7 comentários:

  1. Engraçado observar como a experiência vivenciada por mim e muitas pessoas que conheço foi completamente diversa da estabelecida entre a dicotomia apresentada por você na questão de escola pública vs escola privada e, sinceramente, acredito que também seja diferente em vários outros lugares.

    No meu caso, aquelas tiazonas que davam aula na rede pública (principalmente no ensino fundamental) significam, hoje, para mim, a personificação do regime de ensino vigente no período da ditadura militar, professores sem senso crítico algum, metódicos, verdadeiramente mulas, que se limitavam a cumprir ppps medíocres da escola e com livros porcos.

    Na escola particular, por sua vez, apenas para citar como exemplo, tive contato com a literatura crítica. Lembro até hoje que fiquei fascinado quando o professor ensinou a compreender a evolução da literatura como uma dialética constante e como uma história de contradições, ou seja, consoante a própria historiografia, algo que nunca aconteceria na escola pública. Apenas para citar um caso, dentre tantos outros.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Alan... Bem, em primeiro lugar é necessário compreender mesmo o contexto em qual vc fala da escola pública e da privada. Como vc não deixou explícito aí, não tenho como saber se você está falando de uma escola já da última década ou de décadas anteriores.
    Outro ponto a se abordar... De fato, nem toda a escola privada trabalha no limite do "negócio", nem toda escola pública trabalha em pleno desenvolvimento do cidadão... Mas em linhas gerais as políticas escolares adotadas nos diferentes âmbitos são substancialmente diferentes, ao menos é o que nos é exigido enquanto professores (nós tendo competências ou não) pelos chefes. Pela minha experiência as escolas particulares priorizam a formação conceitual, o conteúdo, enquanto a escola pública prioriza a formação procedimental, saber fazer, desenvolvimento de competências... Reconheço que devido à burocracia, a péssima infra-estrutura do Estado (inclusive na formação, evolução, estimulação, captação do bom professor) e da sociedade, o objetivo não é alcançado, nem em partes. Tb é reconhecido (não só por mim, mas como por vários professores colegas de trabalho e professores de faculdade) em em várias escolas particulares, os pais fazem um "contrato" esperando que o filho esteja formado para a faculdade ao final do curso escolar, como se a escola fosse tão somente um ambiente de preparação para a vida acadêmica do ensino superior (que por sua vez é um ambiente de preparação para a vida profissional, junto ao ensino técnico), e não um ambiente de preparação para a vida em primeiro lugar.
    Em relação aos "livros porcos" (é importante diferenciá-los das apostilas que tem uma outra abordagem), não concordo, os livros didáticos que eu já pode trabalhar eram de excelente qualidade, mas o livro didático não pode ser o guia da aula, é só um recurso a ser utilizado em pesquisa e consulta ao aluno. Sendo um livro didático recente, você poderia postar por favor a fonte, para eu verificar de fato a qualidade do mesmo?
    Muitos dos professores da escola pública são de fato metódicos, por um excesso de nostalgia... Formados em uma época em que na verdade eram priorizados exatamente o conteúdo em si com uma disciplina rígida, mas conheço muitos profesores críticos, embora fora de uma formação contínua. Com relação à você encontrar professores que te lembrem uma ditadura, isso não é culpa da política adotada em si. A noção teórica adotada no ensino público é que o aluno (não mais o professor como na época da ditadura)é o centro do processo de ensino-aprendizagem (dando complementaridade e maior importância a aprendizagem), cabendo ao professor se desdobrar para alcançar o desenvolvimento cognitivo de seu aluno. Muitos professores, principalmente os mais velhos, não seguem (e tem dificuldade para lidar com a sala de aula, desmotivação), pq estão nostálgicos e desatualizados, precisando urgente de uma formação contínua.

    ResponderExcluir
  4. Em suma, o que eu posso dizer é que a escola particular absorve mais os profissionais de maior competência do que a escola pública, até mesmo pelas condições em que esta se encontra quem vai desejar trabalhar neste ambiente? Muitos dos professores sem competência, desatualizados, desmotivados acabam ficando com o que "sobra", as aulas da escola pública. Mas podemos dizer que, em teoria, os príncipios adotados pela escola pública superam os da escola privada, faltando apenas uma prática eficiente, que é barrada pela burocracia e pelas condições precárias de todos os agentes envolvidos no processos (professores, alunos, família), o resultado disso é um professor desmotivado, não-cobrado, e inerte em sala de aula.

    ResponderExcluir
  5. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  6. Fora que na escola particular dificilmente vemos uma interação tão intensa entre alunos de culturas diferentes , como na escola pública. Raramente vemos uma quantidade expressiva de professores negros, de alunos de condição social mais baixa, de alunos com acesso à ambientes culturais diferentes dos acessados pela classe média.

    Por outro lado, as carências da escola pública já começam do "berço", os pais não tem um comprometimento no desenvolvimento intelectual dos filhos, não o levam à espaços culturais como o teatro, raramente se encontra um pai que tenha ensinado seu filho a ler em período anterior ou durante a pré-escola ou à ao primeiro ciclo do ensino fundamental. Eu aprendi a ler e escrever antes mesmo de ir à pré-escola, e posso dizer que este foi um dos fatores que mais impulsionaram meu desenvolvimento intelectual para um nível superior aos meus colegas.
    Enfim, existem fatores extra-escolares que também influenciam no dia-a-dia escolar.

    ResponderExcluir
  7. Pode ver que eu abordo a situação no seguinte trecho

    ..."Mas com certeza o leitor deve perceber que a educação pública não vive tempos gloriosos, pois apesar de adotar um ponto de vista mais crítico, tem condições precárias para sua execução... Baixos salários (e outras remunerações) para os profissionais da área, burocracia excessiva, desnecessária e mal-empregada que só atrasa ou desestimula uma iniciativa mais ousada ou efetiva do professor, salas de aula lotadas, falta de comunicação entre as redes hierárquicas (muitas vezes motivadas pela provocação entre categorias de uma rede), desestímulo e despreparo de um professor, muitas vezes com uma visão anacrônica da educação na sociedade, desconsideração dos interesses e das sugestões dos professores por parte de pedagogos, burocratas, políticos, mídias e cidadãos em comum, a ignorância familiar sobre as visões da educação, a baixa (e pouco efetiva) participação familiar, a falta de situações culturais disponíveis ao desenvolvimento intelectual do aluno, enfim a lista é longa. E a proposta de formar um aluno preparado para vida, que “sabe fazer”, crítico, consciente e criativo se materializa numa proposta irrealizável."...

    ResponderExcluir